Fernando Cesar Gomes (CRB-6/3571), Bibliotecário da Prefeitura Municipal de Itaúna e mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), publicou o artigo “Espaço público e subalternidade: dinâmicas representacionais instituídas a partir da Biblioteca Pública Municipal Ataliba Lago”, com a orientação do professor Fabrício José Nascimento da Silveira. O artigo foi publicado no periódico “Em Questão” do Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Natural de Divinópolis, Fernando afirma que a motivação para a realização do trabalho foi pessoal: “nasci e cresci na cidade de Divinópolis, na década de 1990. Como muitos adolescentes do município, passava horas a fio na Ataliba Lago para realizar pesquisas escolares”. Quando foi cursar a graduação em biblioteconomia na UFMG, o profissional revela que se deparou “com as disciplinas que tratavam do conceito de memória no campo da biblioteconomia e com aquelas que tratavam da biblioteca pública e de sua importância para as comunidades na qual se inserem. Desse modo, revivi as minhas experiências da juventude e achei que seria muito oportuno tratar do tema da dimensão democrática das bibliotecas públicas e do atendimento das mesmas relacionado aos diversos grupos populacionais que frequentam ou não os equipamentos culturais. Esse tema foi central no meu trabalho de conclusão do curso de graduação e também na minha dissertação de mestrado, o que culminou na elaboração do artigo”.
Como ponto de partida, foi abordado a subalternidade na sua acepção dicionarizada, compreendendo um conjunto de características, condições ou situações de quem é subalterno ou subalternizado e, por extensão, o estado ou sensação de dependência, de inferioridade; subalternação, subserviência, subordinação. Em seguida, Fernando revela que “recorremos a Antonio Gramsci, filósofo italiano, que define como subalternidade a condição dos grupos que se encontram numa posição de exclusão do processo histórico, ou seja, que possuem sua história contada de forma episódica e desagregada (a população afrodescendente no Brasil, por exemplo); e a Gayatri Chakravorty Spivak, socióloga indiana, que aprofunda a noção de exclusão do processo histórico, relacionando-a ao contexto geopolítico mundial, em que as pessoas habitantes dos países periféricos do capitalismo se encontram nessa posição de marginalização”.
O mestrando contou, também, que, “por fim, propomos mais um adensamento do conceito de subalternidade, relacionando a processos de segregação socioespacial, no que se relaciona aos moradores das periferias dos centros urbanos do nosso país, abordando o uso ou o não uso dos espaços culturais públicos, que em sua grande maioria ainda se concentram nas áreas centrais da maioria das cidades brasileiras, configurando-se como locais de difícil acesso para determinados grupos populacionais que moram longe da área central, neste caso, no município de Divinópolis, Minas Gerais”.
Conexão da Biblioteca Pública Municipal Ataliba Lago com a comunidade
Para Fernando, a biblioteca pública é um importante equipamento cultural de Divinópolis e presta serviços à comunidade há mais de 60 anos: “nessas mais de seis décadas cumpriu e cumpre variadas funções como centro cultural, como local de apoio à pesquisa e, principalmente, como local de memória e de difusão da cultura da cidade. É difícil encontrar um cidadão de Divinópolis que não conheça a instituição ou que não tenha frequentado o local em algum momento, seja por necessidade, por prazer ou por simples curiosidade”.
No entanto, o Bibliotecário revela que “por se tratar de um equipamento cultural em um país em que à cultura e à educação, muitas das vezes, são delegados papéis de segundo plano de importância, a biblioteca sofre com a falta de investimentos tanto em infraestrutura como em recursos humanos. Um exemplo disso é o fato da Ataliba Lago já ter ocupado sete diferentes imóveis em todos esses anos, sempre na região central da cidade, nunca tendo possuído uma sede própria. Mesmo assim, contando com doações e com a competência dos servidores lá lotados e com a presteza de agentes culturais locais, a biblioteca consegue se manter e prestar inúmeros serviços à população, inclusive expandindo seu atendimento, num determinado momento de sua história, a bairros periféricos do município”.
Manifesto da UNESCO/IFLA
Fernando conta que, para explicar a importância da dimensão democrática no papel e nas responsabilidades das bibliotecas públicas, é necessário citar as autoras Orlanda Laramillo e Mónica Montoya Ríos: “ao afirmarem que as bibliotecas públicas devem prestar seus serviços com base na igualdade de acesso à informação para todas as pessoas, independentemente de sua idade, raça, sexo, religião, nacionalidade, idioma ou condição social e para aqueles que, por um motivo ou outro, não podem se beneficiar dos serviços e materiais comuns, por exemplo, minorias linguísticas, deficientes físicos ou mentais, doentes ou pessoas privadas de liberdade”.
Para o profissional, as afirmações encontram consonância no que propõe o Manifesto UNESCO/IFLA sobre as bibliotecas públicas, cujos eixos centrais giram em torno da promoção da cultura, da educação, da leitura, do lazer e da informação em seus mais variados formatos e suportes:,“constituindo-se, assim, em ponto de referência (funcional, simbólica e afetiva) para todos os grupos e sujeitos que se interrelacionam no cerne de determinada paisagem social, sem distinção alguma”.
Obstáculos para planejar e executar ações e serviços mais amplos e inclusivos
Para planejar e executar ações e serviços mais amplos e inclusivos nas bibliotecas públicas, é necessário investimento. “Para que as bibliotecas possam incluir mais leitores é preciso que exista uma infraestrutura adequada e pessoal para executar os serviços com qualidade e cuidado. Até aí, nada de novo. No entanto, como abordei no meu trabalho de dissertação e no artigo que decorreu do mesmo, é preciso uma vigilância contra o discurso politicamente correto. Em tempos tão sombrios, em que a ciência e a educação são amplamente demonizadas e sucateadas. Esse tipo de discurso pode ser uma armadilha empregada para mascarar as reais mudanças pelas quais a sociedade brasileira necessita passar”, revelou Fernando.
Além disso, o profissional contou que “no caso do atendimento a populações que moram em bairros distantes dos centros e que, por isso, não frequentam as bibliotecas sediadas em regiões mais centrais nas cidades, antes de se criar ‘filiais’ das bibliotecas públicas pelas cidades, por exemplo, oferecendo determinado tipo de leitura às pessoas que moram nas periferias, deve-se pensar em investigar quais as necessidades informacionais e demandas sociais que aqueles cidadãos possuem. Portanto, antes de se pensar em ‘levar’ de forma aleatória e paternalista ‘os livros, a leitura, a biblioteca e a cultura’ aos bairros mais periféricos, deve-se buscar formas de se conhecer a realidade dessas pessoas e de valorizar suas produções simbólicas, sua história, memórias e identidades. Esse, para mim, é o grande obstáculo a ser transposto, ou seja, o da contínua marginalização, mesmo que involuntária. Portanto, o investimento também deve ser centrado na formação contínua e no treinamento dos bibliotecários envolvidos no processo”.
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