A carta a seguir foi divulgada pelo Conselho Federal de Biblioteconomia (CFB) em repúdio ao artigo “Os privilégios do funcionalismo“, pelo Ofício Circular 17ª CFB N. 007/2018.
Prestação de serviços ao sr. Helio Gurovitz… e sem custo
No último dia 12, por meio do artigo intitulado “Os privilégios do funcionalismo”, assinado pelo Sr. Hélio Gurovitz (Blog do Helio Gurovitz, G1 Mundo, direto de Nova York) fomos informados que as atividades dos bibliotecários e dos faxineiros não teriam sentido de existir, bem como que os profissionais que as exercem não deveriam ter a estabilidade garantida pela Constituição de 1988.
O pano de fundo da matéria é o já cansado e enfadonho tema das diferenças entre as realidades estruturais e funcionais dos servidores públicos e privados, da ativa e aposentados, porque eivada de argumentos subjetivos e meias verdades. Entretanto, não vamos nos reportar à realidade dos faxineiros, mas queremos deixar registrado o nosso respeito pelas atividades que esses profissionais realizam, pois entendemos que todo trabalho realizado com dedicação e honestidade é digno e deve ser valorado.
A ofensa gratuita praticada contra os bibliotecários brasileiros faz indagar quais seriam as características que dariam sentido às atividades de uma profissão na sociedade e no serviço público? Qual seria o grau de profundidade do conhecimento que o Sr. Helio Gurovitz teria sobre os conteúdos filosóficos, técnicos, sociais e políticos sobre o fazer cotidiano dos bibliotecários e das bibliotecas que lhe autorizaria a emitir opinião sobre o sentido ou a falta de sentido da existência da profissão de Bibliotecário no serviço público?
Não sabemos nada sobre o capital cultural desse Senhor, mas, a julgar pelo conteúdo da matéria, é muito provável que foi a ausência e/ou o seu raso conhecimento acerca da profissão de Bibliotecário e sobre os fazeres dos profissionais que a exerce que lhes permitiram expressar opinião tão preconceituosa e sem sentido. Ausência e limitação que não o isentam de responsabilidade nem diminuem o tamanho das agressões verbais cometidas contra os bibliotecários brasileiros.
Talvez por isso o Sr. Helio Gurovitz só enxergue a biblioteca como um local de guarda de livros. Visão limitada que o impede de perceber as responsabilidades técnica, social e política da biblioteca, aspectos que estão relacionados à satisfação das necessidades de informação dos usuários; à geração de conhecimentos; à formação do pensamento crítico; à democratização da cultura, à emancipação social, econômica e política dos indivíduos e da sociedade; e ao exercício da cidadania. São esses conteúdos que dão significado e sentido à existência da biblioteca, por isso a sua existência e atuação se ligam filosófica e organicamente ao cumprimento da missão e ao alcance dos objetivos da instituição na qual a biblioteca está inserida.
Por ter a informação como objeto de trabalho e a produção do conhecimento como objetivo principal, a biblioteca carrega consigo desde a criação uma responsabilidade social que é a principal aliada do processo de cidadania, por favorecer o exercício de direitos e deveres na sociedade. Primeiro porque tem como objeto o único artefato cultural que é, ao mesmo tempo, insumo e produto do desenvolvimento social; segundo porque o exercício pleno de direitos e deveres não se opera sem a posse de informações e o acúmulo de conhecimentos; e terceiro porque são os bibliotecários que identificam, selecionam, adquirem, tratam, armazenam, disseminam e transferem os conteúdos das coleções do acervo da biblioteca a indivíduos e organizações.
Não é absurdo, pois, afirmar que a atuação da biblioteca e dos bibliotecários está no cerne dos processos de formação e desenvolvimento do homem e das suas condições de humanização e desumanização, às quais sempre esteve e estará submetido, uma vez que essa formação e esse desenvolvimento são dependentes da posse de informação e do domínio de conhecimentos.
Ontologicamente falando, é o homem que se faz humano ou desumano a partir das suas práticas e condutas. Logo, humanização e desumanização são partes da sua dimensão cultural, embora a humanização seja a sua vocação. Mas como o homem nasce bárbaro e vai se civilizando aos poucos, em decorrência dos processos de socialização pelos quais passa ao longo da sua vida, a ocorrência de condutas insensíveis e incivilizadas diante das realidades sociais alheias são possibilidades bem reais. As opiniões expressadas na matéria que deu causa a esta manifestação evidenciam isso.
Não se ofenda Sr. Helio Gurovitz! Mas da próxima vez que o Senhor for opinar em seu Blog sobre os bibliotecários e os seus fazeres nas bibliotecas, sejam elas pertencentes ou não ao setor público, busque informar-se mais sobre o assunto da sua matéria para não escrever inverdades ou deixar escapar frases que denunciem o seu preconceito. E se para isso tiver que recorrer aos serviços de uma biblioteca do setor público, esteja certo que os bibliotecários estarão aptos e sempre à disposição para ajudá-lo.
Brasília, 15 de março de 2018.
Raimundo Martins de Lima
Presidente do CFB
CRB-11/039