Uma luxuosa enciclopédia que cataloga 311 obras de 50 artistas contemporâneos internacionais terá 25 exemplares doados para acervos especializados, como o do museu Reina Sofia, na Espanha. A curadoria é do também artista Bruno Moreschi, 32, paranaense radicado em São Paulo.
Batizada “Art Book”, a publicação é um projeto do mestrado em artes visuais na Unicamp. Agora, também é peça central da exposição “Sem Título – Técnica Mista, Dimensões Variáveis”, inaugurada no sábado (15) na Funarte, região central.
A graça é que nenhum dos artistas existe de verdade. Todos os 50 foram criados pelo real Bruno. Para se inspirar, nos últimos dois anos ele se debruçou sobre livros de arte à procura de estereótipos, tanto na linguagem quanto nas obras destacadas. “A maioria é de homens brancos norte-americanos e europeus. Tem alguns negros e mulheres, que geralmente falam dessas questões: de ser negro e de ser mulher”, conta o curador-criador.
Foi dessa pesquisa que saíram os personagens que integram o catálogo, impresso pela Menard Editions (editora de mentira) e registrado com ISBN (isso ele garante ser verdade). Cada um desses artistas é apresentado por uma minibiografia escrita em português, espanhol e inglês.
Entre eles estão a canadense Elizabeth Depner, para quem a natureza é muito mais que apenas inspiração artística, “é também a própria ferramenta para a produção de suas obras”; e o italiano Vicenzo Dornello, fotógrafo cego de nascença que “fez com que o pensamento fotográfico ficasse diante de um precipício”.
Isso sem esquecer do contestador Abdul-Rafi Fayad. Iraniano radicado em Londres, ele é o autor da polêmica performance na qual, “amarrado e rosnando como um animal feroz”, tentava abocanhar os visitantes.
Ao lado das descrições, a enciclopédia traz imagens de obras dos artistas fictícios, também produzidas por Bruno. “Foi supertrabalhoso fazer, mas, ao mesmo tempo, muito divertido”, ressalva, enquanto se lembra de casos como o do ator contratado para viver Fayad (“que não queria sair do personagem, quase chegou a me morder”) e do professor japonês de pintura realista que “ficou puto” com o interesse superficial do aluno.
Para dar rosto a essas figuras, ele diz ter recorrido a amigos e, em casos extremos, a pessoas nas ruas e até no metrô —todos devidamente avisados e autorizados.
Culatra
A série de Moreschi faz lembrar um caso envolvendo o artista Yuri Firmeza. Em 2006, o paulistano causou celeuma em Fortaleza ao inventar uma falsa exposição do (também falso) artista japonês Souzousareta Geijutsuka.
A mídia divulgou a história até descobrir se tratar de um trote. “No meu caso não tem tanto essa coisa da pegadinha. Eu queria que meu primeiro trabalho artístico discutisse o que é ser artista e o que é fazer arte.”
Outra situação semelhante é a do americano Shea Hembrey, que em 2011 apresentou a ideia de “bienal” com trabalhos de cem artistas, sendo que tanto os autores quanto suas obras foram produzidos pelo próprio Hembrey.
Moreschi diferencia: “Minha ideia nunca foi criar 50 artistas para dar vazão à minha criatividade, como parece ter sido o caso do Shea. Meu interesse é mostrar como quase tudo é uma questão de discurso. Se você cria um ambiente favorável e consegue legitimar, aquilo passa a ser uma verdade.”
Além de “Art Book”, a exposição reúne algumas obras dos artistas inventados e três outras séries produzidas por Moreschi.
Segundo o mestrando, durante muito tempo ele pensou que a enciclopédia se tornaria uma armadilha para os outros. “Mas ela é uma armadilha especialmente para mim. Eu acabo virando mais uma categoria: a dos artistas que discutem a arte. Então essa e as outras obras na exposição têm a questão de problematizar a minha própria atuação”, divaga.
Fonte: Folha de S. Paulo | Bruno B.Soraggi