Quantos livros carregamos na memória? Uma quantidade maior ou menor do que os humanos que viveram em outros tempos da história? Estamos lendo mais, porém esquecendo tudo rapidamente?
Sobre esses temas o escritor argentino naturalizado canadense Alberto Manguel, 66, fala nesta quarta (5), na última conferência do ano do ciclo Fronteiras do Pensamento, que ocorre no auditório do complexo Ohtake Cultural, em São Paulo.
“Uso exemplos como os do argentino Jorge Luis Borges [1899-1986], que ficou cego por volta dos 50 anos e conviveu o resto da vida com a lembrança do que lera até então, e o do italiano Primo Levi [1919-1987], cujas leituras que realizou antes de ser preso o ajudaram a sobreviver ao Holocausto”, diz à Folha.
Manguel conheceu Borges na adolescência, quando trabalhava na livraria Pygmalion, na avenida Corrientes, em Buenos Aires, dedicada a títulos em alemão e inglês.
O autor de “O Aleph” frequentava o local, mas como praticamente já não podia mais ler, pedia que o jovem Manguel o fizesse, em voz alta. “Me impressionava como ele se concentrava, e assim mantinha viva em sua cabeça essa biblioteca portátil que carregava consigo, e que servia de companhia e consolo.”
Apesar de considerar positivo que e-books e leituras virtuais em geral ofereçam acesso a uma quantidade maior de obras e autores, o autor faz ressalvas à expansão dos suportes virtuais.
“Ler textos eletrônicos não é o mesmo, para o cérebro, do que ler um texto impresso. Perdemos muito da nossa capacidade de interpretar o conteúdo de uma leitura virtual, realizar conexões e refletir sobre o o conteúdo porque ela não permite a concentração necessária.”
Além disso, critica o modo pelo qual sites como Amazon estão estrangulando editoras e livreiros pequenos. “São aqueles que melhor conhecem os livros, e estão perdendo esta batalha, que é desleal.”
Fantasmas
Filho de diplomatas, Manguel passou a infância em Israel, voltou por pouco tempo a Buenos Aires, onde estudou no tradicional Colegio Nacional, depois radicou-se novamente no exterior, pouco antes de iniciada a ditadura argentina (1976-1983). Viveu na Europa, no Canadá e, hoje, vive no vilarejo de Mondion, nos arredores de Poitiers (França), numa casa cuja biblioteca possui 40 mil títulos.
“Minha relação com a Argentina é confusa e contraditória, pois muitos amigos meus da época da adolescência desapareceram durante os anos de chumbo, quando eu já não estava mais lá. Hoje, quando volto a Buenos Aires, não vejo mais as pessoas e não reconheço mais os lugares, transformados pela arquitetura moderna. É como ir a um país de fantasmas.”
Autor de livros que têm a leitura como protagonista (“A Biblioteca à Noite”, “Uma História da Leitura”), e coautor do “Dicionário de Lugares Imaginários” (todos lançados aqui pela Companhia das Letras), Manguel é também fã do brasileiro Machado de Assis (1839-1908). “O modo como narra e como integra o leitor à obra fazem dele um dos mais importantes de sua época.”
Manguel recrimina o mercado editorial anglo-saxônico por ainda ser tímido na tradução do português e do espanhol. “O que explica a projeção internacional de um escritor tão mediano como o norte-americano Jonathan Franzen (As Correções’)? Qualquer pessoa inteligente que conhecesse sua obra e a do argentino Ricardo Piglia, só para ficar num exemplo, consideraria Piglia muito melhor. E assim ocorre com autores holandeses, italianos, portugueses e brasileiros.”
O próximo livro de Manguel, que sairá aqui pela Companhia das Letras, é “Uma História Natural da Curiosidade”, em setembro de do ano que vem.
Fonte: Folha de S. Paulo | Sylvia Colombo