Acervos de Murilo Rubião, Fernando Sabino e Abgar Renaut podem ser conhecidos.
Dentro de um apartamento, na Belo Horizonte de 1939 um homem formal e discreto começou a produzir contos fantásticos. O mineiro Murilo Rubião usava a máquina e qualquer papel que encontrasse para escrever uma realidade inventada. Cinquenta e dois anos depois ele morreu deixando 33 contos publicados em nove livros. Sobre si mesmo ele escreveu: “o meu maior tédio é ainda falar sobre a minha própria pessoa”. Se ele não queria falar, tudo bem. A obra e o arquivo dele falam sozinhos.
O ambiente, uma representação do escritório dele, foi recriado pelo Centro de Estudos Literários Culturais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), dentro da Biblioteca Central da universidade.
No local, estão guardadas as memórias de Murilo. Fotografias, cartas que ele enviou e recebeu, manuscritos e até objetos pessoais como um molho de chaves, um lápis, a carteira do serviço militar, e os óculos que eram a marca registrada.
Entre os pertences estão os livros publicados por ele, e talvez a maior de todas as riquezas que ele conservou durante a vida: a biblioteca que mantinha em casa, que inclui também os títulos que pertenceram ao pai. Tudo mantido do jeitinho que que ele gostava, bem organizado. Um acervo recheado de obras literárias nacionais e internacionais. Boas histórias escritas por quem ele admirava, nas quais também buscava inspiração, como conta o pesquisador Cleber Araújo Cabral.
“Nós temos várias coleções de Machado de Assis, ali nós temos uma série. A bíblia era uma referência muito importante para o Murilo, mas ele era agnóstico. Ele teve uma crise religiosa por volta dos 16 anos. Era um devoto de Nossa Senhora, mas não era católico. A bíblia inclusive era um livro de referência que ele buscou muitas das histórias que ele gostaria de contar. Segundo ele, a bíblia tem todas as histórias, sobre todos os homens. As mil e uma noites, Dom Quixote, de Cervantes. Entre os brasileiros, já falei o Machado de Assis, mas do século XX Mário de Andrade e o Carlos Drummond de Andrade. Que também eram amigos e muito próximos. Ficando nos amigos, Fernando Sabino, Oto Lara Rezende, também são referências para a obra do Murilo. No exterior o tcheco Franz Kafka, que é inevitável que se relacione a obra do Murilo, e o outro mineiro Anibal Machado”, conta Cabral.
Murilo Rubião nasceu em Carmo de Minas em 1916 e morreu em Belo Horizonte, em 1991. Ele não se casou, nem teve filhos. Mas segundo o pesquisador, como um bom mineiro, prezava pelos amigos, principalmente os que também eram escritores.
Para o pesquisador, os contos dele são bem humorados e em muitos contos há a angústia dos indivíduos do século XX, acossado ora pela burocracia, ora pelo desejo, que ele não sabe muito bem como lidar, como conduzir esse desejo dele. Para Araújo, a literatura de Murilo é fantástica porque ela faz com que a gente veja coisas que a gente não perceberia no cotidiano.
Mas Murilo foi mais do que um escritor de literatura fantástica. Formado em direito, também trabalhou como jornalista. Em 1966 criou o Suplemento Literário, caderno distribuído com o diário oficial que dava espaço para outras pessoas publicarem contos, crônicas e textos. Até hoje o suplemento circula sob a responsabilidade da Secretaria de Estado de Cultura.
“O Murilo foi um funcionário público de carreira, e isso é importante lembrar. Ele militava muito em favor da cultura. Ele se empenhava muito em intermediar os interesses da classe artística junto às classes políticas e dirigentes principalmente junto a um contexto complicado, que era o contexto dos anos 1960, 1970. Rubião criou várias instituições importantes. Pouca gente sabe, mas ele foi o primeiro diretor da Guignard, da Escola de Belas Artes da Guignard. Outra instituição importante foi a Fundação de Arte de Ouro Preto, a Faop. Outra coisa, o Murilo fez parte do conselho estadual de cultura, da imprensa oficial, que foi o primeiro órgão a criar políticas públicas para o setor de cultura do estado. Ou seja, antes de haver uma Lei Estadual de Incentivo a Cultura, o Murilo, de certa forma, já fazia esse trabalho de fomentar as iniciativas culturais, publicações de livros, realizações de eventos”, conta.
Ao lado do escritório que preserva a memória de Murilo Rubião está a sala de estar de Fernando Sabino.
“Cada espaço revela um pouco da personalidade do escritor. O Fernando Sabino era um grande amante de música, adorava jazz, tinha essa bateria que ele tocava, muitos livros da biblioteca dele falando sobre música, principalmente jazz. Na própria epítafe dele, na lápide dele, tá escrito a frase: “Nasci homem, morri menino”. Então ele é cheio de bibelôs, de brinquedos, bolinha de gude, e isso revela um lado bem menino, bem moleque, o que tá presente na obra dele. O grande mentecapto e outras obras que revelam esse aspecto da questão da criança dentro da literatura e dentro da própria obra do Fernando Sabino”, explica o bibliotecário Antônio Afonso.
Ao lado de Sabino fica o escritório de outro amigo que fazia parte da turma: Abgar Renault.
Todo o acervo foi doado por parentes dos escritores. A UFMG preserva e dá condições para que as pessoas possam pesquisar o material.
Serviço:
Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa:
Coleções Especiais e Hemeroteca Histórica: de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h.
Braille, Periódicos e Infantojuvenil: de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h. Aos sábados, das 8h às 12h.
Empréstimo, Passarela Cultural, Referência e Estudos e Sala de Estudos: de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h. Quinta-feira: horário estendido até as 20h. Aos sábados, das 8h às 12h.
Galeria de Arte Paulo Campos Guimarães: de segunda a sexta-feira, das 8h às 20h. Aos sábados, das 8h às 12h.
Teatro José Aparecido de Oliveira: de acordo com programação.
Mais informações: (31) 3269-1166; ou acesse o site.
Fonte: Rede Globo