Data de publicação: 23/03/2013
Por Luna Normand
“A porta abriu pouco e lentamente, o suficiente apenas para mostrar o rosto do hóspede. O Barão muito pálido, como um doente, teimava em sorrir, mas não devia estar bem porque suas mãos, trêmulas, deixaram cair os jornais. Leo abaixou-se para apanha-los quando viu, sob a cama, dois pés calçados apontando para a porta. Pegou os jornais e ao levantar-se notou que havia uma mancha vermelha, provavelmente de sangue, no robe do gordo do 222”.
As artimanhas do mensageiro Leo e seus amigos Ângela, Gino e Guima para resolver o intrigante assassinato no apartamento 222 do Emperor Park Hotel no livro “O Mistério do Cinco Estrelas” cativaram, em décadas passadas, milhares de fãs que se deliciaram com esse e outros volumes da coleção Vaga-Lume.
Lá se vão 40 anos desde o lançamento do primeiro título, “A Ilha Perdida”, de 1972, de autoria de Maria José Dupret. Engana-se, porém, quem acredita que esse e outros contos deixaram de ser atrativos para os jovens leitores da atualidade, inseridos em uma realidade traduzida em jogos virtuais e redes sociais.
Neste ano de comemorações da série, paralelamente às novidades que a editora Ática prepara para o mercado (leia mais na página 4), surge uma nova geração de leitores que têm vibrado com as tramas urbanas, cotidianas e adolescentes de ação, aventura e suspense narradas em livros como “O Enigma da Televisão”, “O Escaravelho do Diabo” e “O Caso da Borboleta Atíria”.
Nova geração
O estudante Elias Marques Fonseca, 13, é um deles. Em sua cabeceira, os títulos da coleção têm lugar cativo. Já leu 53 livros da série, de uma relação de 108 títulos elaborada pela mãe, a professora Rosana Fonseca. Foi ela, inclusive, fã de um dos consagrados autores da Vaga-Lume, Marcos Rey, quem apresentou os títulos ao filho. “O que eu vejo na internet é muito diferente das histórias. Estou lendo, simultaneamente, ‘A Grande Fuga’ e ‘A Primeira Reportagem’, ambos de Sylvio Pereira. Quanto mais eu leio, mais eu quero avançar para desvendar aqueles enigmas”, revela o adolescente, que elegeu “O Mistério do Cinco Estrelas” o predileto.
Também fãs da série, os irmãos Camila, 12, e Philippe Viana, 8, contam que aprenderam muito com a história de Henrique e Eduardo em “A Ilha Perdida”. “Me ensinou que a natureza é muito boa para nós e, por isso, devemos preserva-la”, afirma Phillipe. As narrativas intrigantes funcionam como um ímã, segundo Camila. “Quando eu começo a ler, não consigo parar. Sempre tem uma coisa nova em cada capítulo”.
O grande diferencial da coleção Vaga-Lume, responsável, em grande parte, por mantê-la atemporal, seria a sua diversidade textual, os variados temas e as muitas abordagens da literatura. Samuel Medida, técnico em literatura da Biblioteca Infantojuvenil de Belo Horizonte e responsável pelo Sábado Vaga-Lume, oficina de leitura que teve a série como temática, no início deste mês, lembra que distintos gêneros literários, como romances e tramas policias, estão presentes nos livros, porém de forma sutil, já que na prática não existem esses gêneros na literatura infantil.
Além disso, segundo ele, uma boa história sempre vai ser atemporal. “O texto da coleção da Ática, mesmo com o passar do tempo, não fica antigo e continua atraindo leitores. Criança não tem problema com linguagem, pois sua relação com o vocabulário é nova. Ela tem inteligência suficiente para perceber o sentido do texto sem correr ao dicionários”, afirma.
Acesso
As simples brincadeiras de rua e as aventuras inocentes pela cidade tão comuns à época, como soltar pipa, jogar bola na rua, brincar de polícia e ladrão ou esconde-esconde deixam as histórias mais atraentes para Elias e Philippe. “Vejo que aqueles adolescentes têm trabalho, e eu sou apenas um estudante. Eu acho tudo isso muito interessante”, avalia. Phillipe afirma que o legal é ver como crianças conseguiam se divertir muito mais e de forma tão simples. “Hoje ficamos muito presos dentro de casa, pois tem mais automóveis nas ruas, tem vídeo game e internet”, revela.
Com o mercado literário dominado pelos best-sellers internacionais – entre os títulos mais vendidos da Bienal do Livro de 2012 estão “Herança”, de Christopher Paolini, e “Jogos Vorazes”, de Suzanne Collins –, Samuel Medina afirma que o grande problema que a coleção enfrenta é o difícil acesso, assim como outras obras consagradas de autores como Ruth Rocha e Ana Maria Machado.
“O mercado editorial dá ênfase a certos títulos, a maioria internacional, visando o lucro. Quem tem mais dinheiro divulga mais”, garante, acrescentando que não é porque a história se passa em uma época diferente da que a criança vive que ela não vai se envolver. “É uma ideia equivocada acreditar que colocar elementos cotidianos na trama vai torná-la mais atrativa”, afirma.
No Colégio Logosófico, entretanto, é fácil ter acesso às obras da série da Editora Ática. A biblioteca da instituição disponibiliza aos alunos vários títulos da coleção, muitos deles indicados para trabalhos em sala de aula. “Nós temos uma grande preocupação com a qualidade da leitura das crianças, porque há no mercado livros bons e ruins, que não oferecem nenhum conteúdo”, salienta a professora Rita Craveiros Xavier. A estudante Júlia Rocha Radicchi, 9, revela quais foram as histórias que mais gostou de ler: “A Ilha Perdida”, “Catarina Malagueta” e “O Escaravelho do Diabo”.
Fonte: O Tempo