Palestrante do Educação 360, Jiang Xueqin atuou na reformulação de currículo escolar na China
Um dos principais palestrantes do seminário Educação 360, o educador e escritor Jiang Xueqin atuou na reformulação do currículo da escolaridade secundária ligada à Universidade de Tsinghua, uma das mais respeitadas instituições chinesas. Em entrevista ao GLOBO, ele afirma que é preciso reformar a ideia de escolaridade e aprendizagem.
As escolas de hoje são boas em preparar os estudantes para uma realidade global?
Muitos educadores afirmam que as escolas não estão preparando os alunos para a complexidade da realidade global que vivemos. As escolas são essencialmente um artefato da Revolução Industrial, e foram estabelecidas principalmente para fabricação em massa de trabalhadores alfabetizados e obedientes para fábricas e escritórios. Hoje em dia, vivemos num mundo extremamente complicado, e os profissionais do conhecimento precisam ser capazes de localizar informações, sintetizá-las, comunicá-las e, em seguida, agir sobre elas. Esses profissionais precisam estar constantemente atualizando suas habilidades, se comunicando através de línguas e culturas, e trabalhando com indivíduos de várias origens.
Por que isso é importante?
Para preparar os alunos para uma realidade em que o conhecimento está sempre mudando, as escolas estão se concentrando em quatro pontos: criatividade, colaboração, pensamento crítico e comunicação. Mas aqui está o paradoxo. Você não pode explorar este conjunto sem ensinar outro grupo tão fundamental: caos, complexidade, mudança e contradição. Para prosperar no mundo moderno, é preciso perceber que as coisas podem acontecer ao acaso e que tudo está interligado muito densamente, desafiando a simplificação.
Com mudar isso então?
Precisamos reformar fundamentalmente a ideia de escolaridade, aprendizagem e educação. Por que nós fechamos nossos alunos em salas de aula durante todo o dia? Será que eles não têm nada de positivo e substancial para contribuir com a sociedade? Se estamos pedindo aos nossos professores para ensinar os alunos a aprender, por que não estamos pedindo aos nossos professores para aprender também?
Você já disse que as escolas chinesas são muito boas em preparar seus alunos para testes, mas não conseguem prepará-los para a chamada “economia do conhecimento”. Por quê?
Psicólogos descobriram que o cérebro tem dois centros de processamento de pensamento que se excluem mutuamente. O primeiro é altruísta, e toma decisões com base em nossas conexões emocionais com as pessoas. O segundo é utilitarista, e se baseia em nosso benefício material. Descobriram, ainda, que o centro altruísta é também o local de empatia, inteligência emocional e criatividade, todas necessárias para o conhecimento. Infelizmente, por causa de seu foco em testes padronizados, o sistema educacional chinês enfatiza a unidade utilitarista dos alunos, o que limita o desenvolvimento de sua empatia, inteligência emocional e criatividade.
Quais os riscos dessa realidade?
Segundo psicólogos, o foco na unidade utilitarista torna as pessoas infelizes e inseguras, mais propensas a mentir. Incentivar pessoas através de prêmios por desempenho ativa sua movimentação utilitária, elevando a probabilidade de estresse, insegurança e trapaça. A curto prazo, isso aumenta a produtividade, mas a longo prazo diminui, e destrói a motivação interna. É o que vemos na China de hoje. Todo mundo está buscando atalhos e trapaças. Poucas pessoas têm prazer e orgulho de seu trabalho, e é por isso que a maioria dos produtos chineses é inferior.
O que a presença de Xangai no topo do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) proporcionou ao país?
O fato de ter ficado em primeiro lugar em 2009 e 2012 deu aos educadores a confiança para buscar uma reforma radical. Desde 2010, as escolas chinesas começaram a modernizar e internacionalizar seu currículo. Dentro da sociedade, todo mundo está mais esclarecido sobre as lacunas do sistema educacional, e há um desejo real de aprender com o resto do mundo e experimentar. Se a China tivesse ido mal, haveria mais resistência às mudanças.
Em que aspectos o país precisa melhorar agora?
Nos anos 1980 e 1990, a economia chinesa cresceu porque seu sistema de ensino havia produzido um excedente de trabalhadores da indústria alfabetizados e engenheiros. Mas a China não pode mais contar com mão de obra barata para alimentar seu crescimento. Se quer ser globalmente competitiva, é preciso profissionais do conhecimento e criativos, especialmente em design, TI e gestão. O sistema escolar de comando e controle é ruim em educar a classe criativa. Agora a China está tentando descobrir como reformar o seu sistema de ensino. Será um processo de descoberta gradual que vai levar de cinco a dez anos, talvez mais.
Fonte: O Globo