Fantasia inspira realidade ou realidade inspira narrativas ficcionais?
Quando ‘Indiana Jones’ chegou aos cinemas a fantástica narrativa do aventureiro arqueólogo inspirou muitos a seguir a carreira, mesmo que na realidade o trabalho não seja como é relatado no filme.
Atualmente é a vez de uma franquia de fantasia, composta de telefilmes ‘O Guardiã’ (The Librarian), que além de vários filmes conta com uma série de TV popular que teve a quarta temporada confirmada, ‘The Librarians’.
Misturando realidade a uma narrativas ficcionais fantásticas, a franquia mostra um pouco do trabalho de um bibliotecário e da importância de sempre se buscar o conhecimento e ser uma pessoa questionadora.
Já a série de TV ‘The Librarians’, exibida no Brasil inspira fãs pelo mundo em futuras carreiras, assim como os verdadeiros bibliotecários, como Ana Lúcia Merege que além de bibliotecária é escritora e pesquisadora. Ela é autora de uma série de livros de fantasia, iniciada com ‘O Castelos das Águias’, e em entrevista fala de sua carreira.
O Estado RJ: ‘The Librarians’ é uma série de TV que mistura o trabalho de bibliotecário a um universo ficcional sobrenatural e histórico. Qual sua opinião a respeito, em uma época que muitos afirmam que bibliotecas são obsoletas?
Ana Lúcia Merege: Acho que quem diz que as bibliotecas são obsoletas não pesquisou nem refletiu a respeito. Bibliotecas existem desde as tabuinhas de argila e existirão mesmo que um dia todo o conhecimento esteja armazenado em nuvens e metadados. É necessário que haja repertórios de informação sobre todos os assuntos, sem falar na produção cultural, que pode não ter caráter informativo, mas é nosso meio de expressão e o registro de nossa passagem pela Terra. Basta ver o quanto ainda se pesquisa e, com a ajuda desse saber acumulado (e de vasta tecnologia) se descobre sobre o passado arqueológico. Ou seja, a “cara” da biblioteca pode mudar, e isso pode exigir competências diferentes do bibliotecário, mas nós continuaremos a existir e a desempenhar nosso papel de pesquisadores.
OERJ: Há quem diga que uma narrativa de TV sobre bibliotecários, que faz sucesso mundial, pode ajudar a engrandecer a profissão. Concorda?
ALM: Concordo. Em romances americanos das décadas de 1960-70, quando se queria dizer que uma mulher era sem graça, apagada, frequentemente se dizia que ela parecia uma bibliotecária (assim como um sujeito trapaceiro tinha “cara de vendedor de carros usados”). Eu acho que mostrar o bibliotecário como um pesquisador, detetive, agente de mudanças é muito positivo. O curioso é que outras profissões em que frequentemente se faz um trabalho repetitivo e meticuloso, como a de arqueólogo, sempre foram romantizadas, como se todo arqueólogo fosse o Indiana Jones, que viaja pelo mundo e descobre templos perdidos. Se as narrativas de TV mostrarem os bibliotecários como mostram os arqueólogos ou técnicos forenses, a tendência é que sejamos muito mais valorizados.
OERJ: Além de bibliotecária também trabalha como autora e pesquisadora, isso ajudou ou atrapalhou nessa área?
ALM: Ajudou muitíssimo! Me ensinou a pesquisar, a cruzar informações, a usar palavras-chave eficazes, além de ter me aberto as portas para muitas pesquisas curiosas. E a profissão se reflete na minha escrita: muitas de minhas histórias são sobre gente que encontra ou decifra documentos antigos, ou sobre professores, bardos e mestres de sagas. Todos eles adoram livros e bibliotecas!
OERJ: Com acesso cada vez maior a informações via internet, qual as principais vantagens em se pesquisar à moda antiga, em um local, como a Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro?
ALM: Aqui você é que nem o arqueólogo que pesquisa sobre o Egito: lê um bocado a respeito antes, mexe com um monte de arquivos embolorados, mas depois tem a chance de entrar pessoalmente na tumba do faraó.
OERJ: Algum conselho para quem pensa em trabalhar na profissão?
ALM: O meu conselho é que conheçam a profissão e os vários campos de trabalho que ela oferece. Eu trabalho com documentos históricos e literários e, dentro disso, atuo mais na divulgação do acervo. Um bibliotecário pode trabalhar apenas com bases de dados, pode fazer a hora do conto numa escola, pode ser agente de informação numa comunidade ou pode indexar periódicos numa biblioteca jurídica. Saibam o que está disponível e vejam no que seu perfil se encaixa, se é que se encaixa. Na verdade, esse conselho vale para todas as profissões.
Fonte: O Estado do RJ |