Enquanto nos EUA as grandes redes sucumbem à força das lojas digitais, no Brasil cenário é de expansão e aumento das vendas
Enquanto nos Estados Unidos as megalivrarias fecham as portas, no Brasil o cenário é de expansão. As grandes redes do País têm ganhado cada vez mais espaço. O aumento do número de lojas que faturam entre R$ 7 milhões e R$ 10 milhões por ano dá a dimensão do fenômeno: elas saltaram de três em cada cem, em 2009, para 17 em cada cem em 2012, segundo pesquisa da consultoria Gfk. E, ao contrário do que se poderia imaginar, boa parte do crescimento está no mundo físico – mesmo diante do avanço das operações online.
A Livraria Cultura, hoje presente em oito Estados, abrirá quatro unidades neste ano. A Livrarias Curitiba, que tem presença forte no Paraná e em Santa Catarina, inaugurou duas em 2012 e vai abrir outra de mil metros quadrados em Sorocaba (SP). Maior rede do País, a Saraiva, dona de cem unidades, vai abrir mais quatro este ano.
Mas por que essa expansão num país em que os cidadãos leem, em média, quatro livros por ano (incluindo os lidos na escola)? Nos Estados Unidos, onde essa estimativa sobe para dez, a rede Borders fechou todas as suas unidades, deixando cerca de 10 mil funcionários sem trabalho, e a previsão é que outra grande rede, a Barnes & Noble, feche um terço de suas lojas nos próximos dez anos.
Além de haver espaço para a abertura de novas lojas no Brasil (são 3.481 livrarias para 5,5 mil municípios), há outras explicações para esse contraponto. A primeira delas é o contexto econômico. Os americanos, desde a crise financeira de 2008, têm consumido menos. Isso se opõe ao cenário brasileiro, onde – mesmo com a desaceleração da economia – a classe média emergente está ficando mais educada.
“O número de potenciais compradores de livro está crescendo junto com o aumento dos alunos em cursos superiores”, diz o consultor do mercado editorial Gerson Ramos. “Embora esse estudante seja mais um consumidor de material preparado para as aulas, estamos formando uma pessoa que pode virar um leitor.”
Outra característica que diferencia a realidade brasileira da americana é a situação do varejo. Não são apenas as livrarias que estão encerrando as suas operações físicas nos EUA. O grupo de vestuário Abercrombie & Fitch, por exemplo, fechou 135 lojas nos últimos dois anos e anunciou que planeja fechar mais 180 unidades nos próximos anos. A Best Buy, ícone na venda de produtos eletrônicos, encerrou as atividades de 50 lojas.
Na opinião do presidente da Livraria Cultura, Sergio Herz, as livrarias americanas estão inseridas num contexto em que o varejo tenta se reinventar diante da força do comércio eletrônico. “Nos anos 60, o que você fazia para conquistar um cliente? Abria uma loja. Hoje, o cliente passa em frente à sua loja com um smartphone (que informa preços e permite a compra de produtos).”
A migração das vendas físicas para o mundo online, para o executivo, seria o principal fator para a crise no varejo americano. Esse, aliás, foi um dos assuntos polêmicos tratados na Retail Big Show, o maior evento do setor, realizado nos Estados Unidos. Durante a feira, ouviu-se de analistas que em dez anos o Walmart, hoje o maior varejista do mundo, deve perder esse posto para a Amazon, o maior site de e-commerce.
Dito isso, é natural pensar que o mesmo problema afete o Brasil e, consequentemente, as livrarias. Mas Marcilio Pousada, presidente da Saraiva, pondera que as livrarias americanas não construíram grandes negócios na internet. A Borders, por exemplo, entregou toda a sua operação de venda online para a Amazon no início dos anos 2000. “Em 1998, nós estabelecemos um negócio muito forte na internet, que hoje representa 35% das vendas da Saraiva (o site vende outras coisas, mas o livro é o carro-chefe). Quem tem livraria física, mas não está bem na internet, pode vir a ter problema sim.”
Quem não incrementa a estrutura da operação física, por outro lado, também tende a não obter sucesso no Brasil. Nesse quesito, as livrarias locais estão na frente das americanas, segundo Samuel Seibel, dono da paulistana Livraria da Vila (que inaugura uma loja em Curitiba neste ano). “As brasileiras são mais aconchegantes e extrapolam o conceito que tínhamos de livraria há até pouco tempo, pois viraram um ponto de encontro. Você marca reuniões, toma café e tem o ambiente como algo agradável.”
Segundo ele, esse “charme” típico das livrarias brasileiras contrasta com as lojas dos EUA. Além de diversas filiais e muitos metros quadrados, as americanas são bastante parecidas umas com as outras e oferecem exatamente a mesma experiência. “No nosso caso, o projeto arquitetônico consegue ter uma particularidade em cada loja. O bem-estar se recompõe a cada projeto.”
Nas lojas de Seibel, os móveis são comprados em brechó, há estantes onduladas, escadas com corrimão arredondado, pufes grandes coloridos, poltronas e tapetes. Tudo é composto de forma distinta em cada uma das sete unidades existentes na capital paulista. A tentativa é fazer da livraria um local de passeio.
A Livraria Cultura, cuja unidade do edifício Conjunto Nacional, em São Paulo, também esbanja curvas e cores, tem ainda duas salas de cinema e teatro. Neste ano, a empresa usará seus teatros e auditórios para começar a oferecer cursos livres em diversas áreas do conhecimento.
Diversificação. Além de criar um espaço de entretenimento, as livrarias têm se esforçado para ir além dos livros. A Fnac já se consagrou na venda de TV, celular e computador, entre outras categorias – deixando até o acervo de obras em segundo plano. Lá, os livros respondem por cerca de 25% do faturamento total da loja, segundo estimativas do mercado. Na Saraiva, também é possível encontrar brinquedo, tablet, massageador e TV.
“Trata-se da necessidade de ter um conjunto de produtos de maior valor unitário”, diz Gerson Ramos. Isso se prova nos números. Em 2009, quase todo o faturamento vinha dos livros para 37% das livrarias brasileiras. Em 2012, essa fatia caiu para 22%. É o começo da vida das livrarias além dos livros.
Fonte: O Estado de S. Paulo | Nayara Fraga, colaboração de Maria Fernanda Rodrigues