Ele é graduado em filosofia, tradução, biblioteconomia, teologia e letras (Língua e Literatura Francesas) pela UnB (Universidade de Brasília). Sua dissertação de mestrado foi premiada no Concurso Latino-americano “Fernando Báez” do Centro Argentino de Informação Cientifica e Tecnológica. A tese doutoral virou um livro e foi indicado para o prêmio Jabuti deste ano. Todas essas conquistas não foram em vão. O brasiliense Cristian Santos, 38, vendeu cocada dos nove aos 19 anos para comprar livros, materiais escolares, passe de ônibus e ainda ajudar em casa.
O pai de Cristian era carpinteiro e a mãe dona de casa. Era ela que preparava os doces para que ele pudesse vender no centro de Brazlândia, região localizada a 32 quilômetros de Brasília. “Sempre estudei em escola pública e mesmo assim sofria preconceito por vender cocadas. Fazer isso explicitava minha condição de mais pobre, acrescido ao fato de nem sempre possuir o material didático exigido pelos professores”.
Santos conta que sempre foi um leitor precoce. Adorava frequentar a biblioteca comunitária de onde morava. O que mais lhe chamava atenção não era apenas a coleção de livros – ele adorava consultar verbetes na Barsa e Larousse –, mas o pequeno jardim de inverno, o mobiliário confortável e as canecas de alumínio areadas. “Tornou-se uma espécie de refúgio frente à pobreza em que vivia”, desabafa.
De vendedor de cocadas até servidor público
Segundo Cristian, a necessidade de se dedicar mais intensamente aos estudos foi despertada no ensino médio, quando era estudante do colégio público Elefante Branco, na Asa sul. “As diferenças sociais entre os colegas de sala eram mais explícitas e isso me impactou enormemente”.
Ele acordava diariamente às 4h da manhã, preparava o café e limpava a casa para facilitar o dia de sua mãe, na época diabética e hipertensa. Depois pegava o ônibus lotado (linha 413) às 5h10, rumo ao Elefante Branco.
“Levava na mochila um pão francês amanhecido besuntado em margarina. Às 7h o devorava sentado no banco gélido de concreto, em frente à biblioteca da escola. Era a única refeição até o almoço das 15h. No caminho, lia literatura brasileira. Consumia as tardes na Biblioteca Érico Veríssimo”.
Aos 17 anos ele foi aprovado no curso de biblioteconomia da UnB. A escolha do curso veio devido a uma palestra que assistiu no colégio. “Notei que a formação de um bibliotecário envolvia uma multiplicidade de conhecimentos, uma verdadeira síntese de tudo o que adorava: biblioteca, línguas, artes, literatura, filosofia”.
Nos dois primeiros anos de UnB, Cristian continuou vendendo cocadas na vizinhança, especialmente para pagar os passes escolares, o bandejão da UnB (R$ 0,50 por refeição) e as cópias dos textos obrigatórios. Mesmo alcançando a primeira graduação ele não parou de estudar.
Hoje, Cristian é bibliotecário da Câmara dos Deputados. Atuou em diversos setores no Parlamento, todos vinculados à cultura e aos direitos humanos. Academicamente se dedica a pesquisar as relações entre literatura e sagrado, em particular os fenômenos da mística e do anticlericalismo.
“No ano passado iniciei o pós-doutorado em história pela Casa de Rui Barbosa, onde tenho analisado as charges anticlericais publicadas na imprensa brasileira. Nos últimos anos tenho sido convidado a ministrar palestras em diversas regiões, abordando os desafios e perspectivas das instituições de cultura em nosso país, em particular as bibliotecas, museus e arquivos”.
Questionado sobre qual o segredo de alcançar o sucesso, Cristian não hesita. Diz que o mais importante é sonhar. “Nem tudo o que desejamos se concretizará, mas os fracassos podem nos ajudar a reconfigurar estes mesmos projetos, tornando-os mais plausíveis”.
Fonte: UOL | Jéssica Nascimento