“Estamos de pés e mãos atados”, diz Silvana da Cunha Melo, diretora de uma escola estadual no Vale do Jequitinhonha (MG), área que registra alguns dos piores indicadores sociais do Brasil.
Ela se refere a um caso recente que engrossa estas estatísticas: um vídeo filmado pelos próprios alunos do colégio onde trabalha mostra uma professora sendo agredida por um adolescente de 14 anos dentro da biblioteca. O jovem chega a passar a mão nas nádegas e tocar os seios da professora – ao fundo, escutam-se os risos de outros estudantes.
O filme foi gravado em 10 de abril no município de Araçuaí, mas só ganhou fôlego nas redes sociais na semana passada. A cidade tem pouco mais de 37 mil habitantes. As imagens dos abusos foram vistas mais de um milhão de vezes, só no Facebook.
“A educação acabou”, lamenta a diretora. “Nunca registramos nada nessa magnitude, mas violência e falta de respeito acontecem todos os dias. A gente reclama, mas não é atendida. Estamos longe de tudo. Agora que espalhou e foi para a mídia, espero que mude alguma coisa.”
Procurada pela BBC Brasil, a Secretaria de Educação de Minas Gerais disse que entende “a violência como um fenômeno de múltiplas causas presentes em nossa sociedade de um modo geral”, e afirma que “é indiscutível que nos espaços escolares esse cenário também pode ser identificado”.
Sobre o episódio específico de Araçuaí, a Secretaria informa que “a cena demonstrada no vídeo requer um aprofundamento para pautar melhor metodologias de atendimento e acompanhamento”.
O governo mineiro diz que duas funcionárias da secretaria serão enviadas a Araçuaí nesta quarta-feira “para apurar os fatos in loco” e discutir soluções contra a violência física e psicológica dentro de escolas com alunos, pais e professores.
‘Impotência’
No ano passado, durante as eleições, a BBC Brasil publicou uma série de reportagens sobre a violência de alunos contra professores. Sugerida pelos próprios leitores, a série ganhou na semana passada menção honrosa no Prêmio de Jornalismo da Associação dos Defensores Públicos do Rio Grande do Sul (ADEPERGS), categoria internacional.
As matérias revelaram casos de professores que chegaram a tentar suicídio após agressões consecutivas e algumas das soluções encontradas por colégios públicos para conter a violência – da militarização à disseminação de uma cultura de paz entre escolas e comunidade.
Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que ouviu mais de 100 mil professores e diretores de escola em 34 países, o Brasil ocupa o topo de um ranking de violência em escolas – 12,5% dos professores ouvidos disseram ser vítimas de agressões verbais ou intimidação pelo menos uma vez por semana.
“Precisamos de um psicólogo e um psiquiatra trabalhando aqui com a gente. Nós não estudamos para isso, a sensação é de impotência”, afirma Silvana, a diretora do colégio de Araçuaí.
À reportagem da BBC Brasil, o governo de Minas Gerais informou que uma comissão com representantes das secretarias de Defesa, Desenvolvimento Social e Saúde, Polícia Militar, Ministério Público e Defensoria Pública, além de entidades estudantis e de professores, está sendo formada com “foco na prevenção e enfrentamento da violência nas escolas”.
A professora agredida foi orientada por seus advogados a não dar entrevistas. O caso foi registrado em uma delegacia e na Vara de Infância e Juventude do município, que informou apenas que “todas as providências cabíveis ao caso estão sendo tomadas”.
“Luto”
No dia da agressão, a professora – responsável por aulas especiais na biblioteca – completava apenas duas semanas de trabalho no colégio estadual, onde estudam 612 alunos, segundo a direção.
De acordo com colegas de trabalho, ela preferiu não se afastar das tarefas diárias na escola e continuou dando aulas após o episódio. Eles dizem que a profissional “está abalada” e “foi vista chorando” na semana passada.
“Foi uma humilhação para todos nós, não só para ela”, diz a diretora. Professores e moradores da cidade realizarão um protesto nesta quarta-feira nas ruas da cidade pedindo justiça e atenção para a situação precária do ensino público no país.
“Estaremos de preto, de luto”, afirma. “Os alunos não ficam dentro da sala de aula. Batem boca como se estivessem batendo boca com qualquer um. Estragam os carros dos professores. Ofendem. A gente só está pedindo respeito – e não como professores, mas como seres humanos. Nenhuma pessoa merece ser agredida ou ofendida onde for. A gente só quer ser valorizado, como qualquer pessoa.”
A Secretaria de Estado do governo mineiro diz que “sabe da importância de desenvolver ações com foco na prevenção e enfrentamento da violência física e psicológica no ambiente escolar” e afirma que usa “metodologias como rodas de conversas intersetoriais sobre o tema”.
A conclusão da pesquisa é de que os professores gostam de seu trabalho, mas “não se sentem apoiados e reconhecidos pela instituição escolar e se veem desconsiderados pela sociedade em geral”, diz a OCDE.
Fonte: BBC