A contratação de uma executiva que trabalhará meio período pela rede britânica de lojas Marks and Spencer reacende a discussão sobre o tempo de trabalho. É possível trabalhar menos horas e ter sucesso profissional?
Há anos se acredita que avançar na profissão depende de trabalhar por muitas horas e da disposição para pôr os caprichos do chefe antes de sua vida pessoal.
Para os que estão no topo também há muito trabalho. Jack Dorsey, criador do Twitter e da empresa de pagamentos por celular Square, chegou a dizer que trabalha entre oito e dez horas por dia em cada uma das empresas – dois dias de trabalho em um.
A diretora executiva do Yahoo, Marissa Mayer, chegava a trabalhar 130 horas por semana quando estava no Google.
No entanto, a necessidade de trabalhar muitas horas têm sido questionada por duas contratações recentes em grandes empresas.
Depois de uma queda nas vendas de sua linha de roupas, a Marks and Spencer contratou uma nova diretora de estilo, mas Belinda Earl só trabalhará dois dias na semana.
A nova vice-presidente do Facebook, Nicola Mendelsohn, será a chefe da empresa na Europa, no Oriente Médio e na África. Ela deve trabalhar quatro dias por semana – como já faz como diretora da agência de publicidade Karmarama.
Novas prioridades
De acordo com o professor Cary Cooper, especialista em psicologia organizacional e saúde na Escola de Administração da Universidade de Lancaster, na Grã-Bretanha, os benefícios do trabalho de meio período são evidentes.
“As provas são claras de que quando as pessoas podem trabalhar com flexibilidade você consegue o máximo delas. Há mais satisfação no trabalho e elas são mais produtivas”, diz.
Juilet Kinsman, a editora do site e livros da empresa especialista em viagens Mr & Mrs Smith, está entre as executivas que trabalham meio período.
“A questão é deixar de ser controladora”, diz Kinsman, que desde que teve sua filha, há cinco anos, trabalha dois dias no escritório e no mínimo um dia extra. Antes disso ela tinha uma semana de trabalho de sete dias.
“É muito fácil na vida moderna deixar que se desenvolva uma cultura muito competitiva a respeito de quem passa mais horas na mesa”, diz.
A executiva diz que, ao passar para o meio período, conseguiu “dar um passo para trás e fazer o que faço melhor, que é ser criativa”.
Ela diz que a maior preocupação de executivas com filhos é “que você ou fique presa à carreira e seja uma mãe ruim ou seja uma mãe ótima e sua carreira seja negligenciada”, mas afirma que se tornar mãe a transformou em uma funcionária melhor.
“Suas prioridades mudam e se alinham de uma maneira mais saudável”, afirma.
‘Velho rabugento’
Chris Hobbs, sócio e diretor da divisão de acordos do escritório de advocacia internacional Norton Rose – um dos cinco maiores do mundo – trabalha três dias no escritório e um em casa há cerca de quatro anos.
Ele tomou a decisão de diminuir a carga horária de trabalho depois que sua família se mudou para Bristol, a cerca de 170 quilômetros de Londres.
“Eu vinha (para Londres) na segunda-feira e voltava na sexta-feira à noite por dois ou três anos. Estava me tornando um velho rabugento”, diz.
“Eu fui falar com a administração e disse: ‘Preciso mudar isso’. A reação foi ‘OK, vamos ver o que podemos fazer’.”
Hobbs afirma que se tornou um funcionário mais produtivo e aprendeu a delegar responsabilidades.
No entanto, ainda há um estigma para os profissionais que trabalham menos horas, segundo o advogado.
“Também já disseram que é mais fácil para mim porque estou num cargo mais alto. Esse comentário faz algum sentido”, diz.
Realidade
A realidade do trabalho de meio período é menos glamourosa para a maioria das pessoas, segundo o conselheiro de políticas do Sindicato Nacional de Trabalhadores britânico (TUC), Paul Sellers.
“Nos últimos anos, desde a crise econômica, vimos o aumento dos trabalhos de meio período e do subemprego”, afirma.
De acordo com Sellers, a maioria dos oito milhões de britânicos que trabalham meio período querem trabalhar mais horas para aumentar seus salário, mas não conseguem.
E para os que querem continuar em meio período, a promoção no trabalho pode ser difícil.
O executivo diz que as mulheres são as mais afetadas, já que é mais comum que trabalhem menos horas.
O professor Cary Cooper diz que há um tipo de administrador – geralmente mais velho e homem – que enxerga o trabalho flexível como um sinal de que a pessoa não está comprometida. Isso pode criar uma percepção de que o funcionário não está “fazendo um bom trabalho” e afetar suas perspectivas de promoção.
No entanto, ele afirma que a pergunta a fazer deve ser: “Eles produzem?”. As pessoas precisam ser julgadas não por quantas horas elas trabalham no escritório, mas o que elas fazem.
“Acho que estamos perdendo muitos talentos, especialmente mulheres, que não estaríamos se as empresas fossem mais flexíveis”, afirma.
Fonte: BBC News | Anna Browning