O primeiro passo para a escolha de um tema de pesquisa é identificar um problema. Alguns professores comentam que o objeto em questão deve, ao mesmo tempo, incomodar e inspirar. *Meissane Andressa da Costa Leão (CRB-6/2353) encontrou ambas as qualidades na sua dissertação “Práticas arquivísticas em autarquias de fiscalização profissional: pré-diagnóstidos Conselhos Federais”.
A defesa da bibliotecária acontece nesta quinta-feira, às 14h, pelo link . Em meio à preparação para o grande dia, Meissane conversou com o CRB-6.
CRB-6: Como foi o processo de escolha do tema da sua pesquisa?
Meissane: Desde a minha posse em 2007 no Conselho Regional de Enfermagem de Minas Gerais (Coren-MG), foi requerido soluções relacionadas aos documentos arquivísticos do Conselho. Na biblioteconomia, eu havia tido uma introdução ao tema, salvo engano. Então, como leiga, comecei a estudar e vi que, para atuar nos arquivos, era necessário buscar a graduação. Quando o curso foi aberto na UFMG, à noite, pelo Reuni, senti a oportunidade de aprofundar os estudos. Havia concluído a graduação em Biblioteconomia, em 2003, em Formiga (MG) e, o Ensino Médio, em 1998. Então, tive que fazer um cursinho e prestar o vestibular pela Comissão Permanente do Vestibular (Copeve/UFMG), à época. Eu queria apenas passar no vestibular e o resultado foi que passei em 3º lugar.
Mesmo na graduação, atuando ainda nos arquivos, as orientações a Conselhos de Fiscalização eram vagas, incompletas e, quando buscava a instituição arquivística pública, não obtinha as respostas necessárias para trabalhar com os documentos arquivísticos. Muitos e-mails eram direcionados ao Conarq, que os retornava para o Arquivo Nacional, e vice-versa. Foram anos documentando tentativas de ter orientações do Arquivo Nacional nessa temática. Essa ausência total de orientações precisas me instigou a buscar quais eram as práticas arquivísticas nos 29 Conselhos Federais de Profissões Regulamentadas e qual tem sido a atuação do Arquivo Nacional na orientação dessas instituições e de seus respectivos regionais. Queria entender se o problema ocorria apenas no Coren-MG. Sete Conselhos Federais não me responderam sobre o quantitativo dos seus regionais, mas, certamente, temos mais de 580 órgãos que compõem esses sistemas no Brasil. Portanto, havia uma lacuna a ser preenchida, visto que há inúmeros diagnósticos de órgãos da administração direta, mas de Conselhos não se tinha um diagnóstico geral. O meu tema nasceu da ausência de informações sobre como tratar os documentos arquivísticos em Conselhos de Fiscalização.
CRB-6: Em trabalhos de conclusão de curso, seja em nível de bacharelado, mestrado, doutorado etc, o ponto inicial do projeto se dá em como a pesquisa pode ajudar à comunidade. No caso de sua dissertação, quais seriam os pontos positivos dela para a Biblioteconomia?
Meissane: O meu trabalho contribui para a Ciência da Informação e não para a biblioteconomia em específico. No âmbito de criação de uma política pública arquivística, a primeira fase do ciclo de elaboração da política, está o levantamento dos problemas. O meu trabalho contribui ao apresentar um cenário problemático dos arquivos em Conselhos, ponto inicial para uma possível mudança. Os Conselhos têm apenas um instrumento para classificação dos documentos para atividades-fim. Não há política arquivística e nem programas de Gestão de documentos, específicos para essas autarquias. Estamos à deriva no que se refere a como tratar as informações orgânicas que circulam em Conselhos. Imagino que eu, enquanto bibliotecária e arquivista notei essa ausência e dificuldades, como será que os leigos dos Conselhos do país, não bibliotecários e/ou arquivistas, estão tratando seus documentos?
CRB-6: No último parágrafo do documento de apresentação de sua pesquisa é informado que você chegou à conclusão que parte dos Conselhos “não aplica os instrumentos de gestão do Arquivo Nacional; não foi convidado para reuniões do SIGA […]” entre outras ações importantes para o gerenciamento de informações. Até que ponto, os Conselhos têm parcela de “culpa” nessa situação?
Meissane: A título de exemplo, eu enviei o formulário com as questões aos 29 Conselhos Federais e o próprio CFB não me respondeu. Mandei vislumbrando a Lei de Acesso à Informação. Então, se constata que não há uma política de informação no âmbito do CFB e a Lei de Transparência, no caso da minha pesquisa, não foi cumprida. Enquanto sistema, o CFB orienta seus regionais em diferentes temáticas. Percebe-se, na pesquisa, que na maioria dos Conselhos Federais não há essa orientação aos regionais, tampouco normatizada. Os CRBs sabem se existe ou não uma política arquivística em curso, aprovada pelo CFB e como estão seus arquivos nos regionais?
Sobre uma possível responsabilidade dos Conselhos, me preocupa o silêncio. Parece que não percebem o papel ou importância na gestão de seus documentos ou informações orgânicas para a classe de profissionais, para a memória dessas profissões, para eventuais prestações de contas e solicitações de informações dos cidadãos, para uma história social e do trabalho; entre outras situações. Os arquivos são instrumentos. Não sei quais as cobranças os CRBs têm feito junto ao CFB e esse, consequentemente, ao Arquivo Nacional, no que se refere ao tratamento que deve ser dado aos documentos arquivísticos. Por não saber, parece existir um silêncio e isso é perigoso, pois dá espaço à opacidade do Estado. Hoje temos conceitos de governança, transparência, accountability, governo eletrônico etc, que precisam prover os cidadãos de acesso às informações de forma proativa e eficiente.
Sobre a responsabilidade do Arquivo Nacional em orientar os Conselhos no que se refere à gestão de documentos, o parecer do Ministério da Justiça / AGU de 2013, não trouxe nada de novo, apenas confirmou o que já estava expresso nas legislações. Não encontrei nenhuma evidência nas atas de reuniões do SIGA e nem do CONARQ, além de uma citação sobre a elaboração do instrumento de classificação para as atividades-fim, que pudéssemos apresentar como ações para que nesses Conselhos exista uma gestão de documentos. Esse instrumento foi uma iniciativa dos próprios Conselhos. Então, o Arquivo Nacional agiu de forma passiva nessa questão. É necessário cumprir o dever legal preconizado na legislação e orientar efetivamente os Conselhos, para que existam, de fato, programas de gestão de documentos, conforme a Lei 8159/1991.
CRB-6: Quais dicas você dá para bibliotecários que desejam desenvolver uma pesquisa de mestrado?
Meissane: Num passado não tão distante, as bibliotecas, arquivos e museus “eram” considerados lugares que disponibilizavam informações validadas e que poderiam se transformar em conhecimento. Com a internet, há a necessidade de verificação de informações que estão circulando e percebemos o quão podem ser destrutivas de reputações e democracias, as informações denominadas Fake News. Há manipulação de conteúdos e criação de mentiras que são compartilhadas e multiplicadas. Observa-se, também, o fenômeno da pós-verdade, ou seja, um desdém à verdade, uma não checagem de conteúdos que são tomados como verdadeiros e compartilhados.Enquanto profissionais da informação, vejo um cenário de necessidade de sabermos mais sobre como lidar com os novos desafios dessa “sociedade da informação”. Para diversos pesquisadores, a Ciência da Informação é trans, multi, interdisciplinar. Assim, é preciso buscar esse diálogo com outras áreas para pensarmos e contribuirmos para que os usuários tenham acesso a informações validadas pela ciência. Não pode o médico de um bairro ter mais credibilidade que uma pesquisa publicada num periódico científico de âmbito internacional, avaliada pelos pares. Portanto, olhar essa “sociedade da informação”, com tantos conflitos políticos, de saúde, no aumento da pobreza; etc, pode nos impulsionar a refletir sobre qual contribuição podemos dar para a melhoria desses sistemas, como exemplo, das redes sociais. Mais de 70% da população, numa pesquisa do Senado, disse se informar por WhatsApp. Isso é muito inquietante. Isso tudo parece ser um “prato cheio” para pensarmos em como vamos lidar com esses problemas atuais, através das pesquisas que podemos desenvolver nesses programas. Precisamos pensar sobre o mundo da forma como se apresenta. As coisas estão mudando rápido demais. Há muito trabalho a se fazer. Boa sorte aos colegas que quiserem tentar os processos seletivos.
* é graduada em Biblioteconomia, pelo Centro Universitário de Formiga (UNIFOR-MG) e em Arquivologia, pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Atualmente, faz parte do mestrado em Ciência da Informação da UFMG; além de atuar no Centro de Documentação e Memória do Coren-MG.