Claudio Antunes, 41, foi demitido no ano passado por, nas palavras dele, “criar um clima organizacional não favorável”. Ele diz que não conseguia lidar com a pressão de seus chefes e acabava descontando nos profissionais que liderava. “Ultrapassava o limite e colocava a equipe contra mim”, conta.
O caso de Antunes, que trabalha com manutenção de hardware, é um exemplo real de uma espécie de mantra dos recrutadores: os profissionais são “contratados pelo perfil técnico e demitidos pelo comportamento”.
Por isso, a análise da personalidade dos candidatos, em quesitos como adaptação a novos ambientes, capacidade de trabalhar em equipe e flexibilidade ganharam importância nos processos de seleção.
Essas características, em alguns casos, podem pesar mais do que o currículo técnico.
“Sinceramente, [elas] são mais importantes”, diz Alexandre Ullmann, gerente de recursos humanos da Microsoft. “Hoje, as empresas estão olhando não só o que o funcionário entrega, mas como faz isso. Se a pessoa pressiona a equipe de modo não saudável, não é colaborativa e não pensa no resultado comum, não é suficiente.”
Quando concorreu a uma vaga para chefiar uma equipe de programadores na Oxibiz, uma rede social voltada para vendas, Carlos José Souza, 49, não passou por provas para ser testado em suas habilidades técnicas. “Eu até estranhei não fazerem um teste – não sentar em frente a um computador. Foi mais um bate-papo para traçar meu perfil”, conta.
Ele diz ter conseguido o emprego por ser “calmo” e saber como tratar de modo diferente cada membro da equipe, de acordo com os pontos fracos e fortes de cada um.
A melhora da educação no Brasil também aumenta a importância da análise comportamental dos candidatos na hora de contratar alguém, afirma Marcela Esteves, gerente da consultoria de recrutamento Robert Half.
“Até na hora de escolher um trainee isso é avaliado. Você pode ter duas pessoas que estudaram nas mesmas escolas e passaram por empresas parecidas, então tem de desempatar com base no perfil comportamental.”
LUGAR CERTO
A exigência de características varia de acordo com a vaga (se o trabalho exige capacidade de comunicação, por exemplo) e com a empresa, cuja cultura pode pedir traços mais formais ou informais de comportamento.
“Muita gente pensa que o bom perfil é o do ‘showman’, mas nem sempre é assim. Um profissional muito expansivo pode não ser bem visto para a área contábil, que exige alguém mais analítico”, opina Thiago Medeiros, gerente da consultoria Manpower.
Mas ele diz que há um certo grupo de características que é indicado para a grande maioria dos profissionais.
“A pessoa que tem jogo de cintura e é hábil na comunicação, que consegue conversar com o presidente e o operário, que desperta simpatia em todos os meios da empresa e trata as relações de trabalho com otimismo, acaba se destacando.”
E, de acordo com os recrutadores, algumas habilidades que se tornaram até clichês em currículos, como “capacidade de trabalhar em equipe”, passam por um processo de refinamento.
“Hoje, mais do que saber trabalhar em grupo, a pessoa precisa ter capacidade de lidar com pessoas de culturas muito diferentes, porque o Brasil está recebendo muito investimento estrangeiro”, diz Raphael Falcão, gerente da consultoria de recursos humanos Hays.
Fabricio Costa, 42, foi contratado como gerente de compras de uma multinacional do ramo siderúrgico justamente por essa capacidade. A função exigia um profissional que soubesse administrar a pressão de lidar com acionistas alemães e brasileiros e comprar equipamentos e materiais de fornecedores de diferentes países.
“Você precisa comprar um equipamento gigantesco, com prazo apertado, aprovar essa aquisição com dois conselhos administrativos e fazer cotações com fornecedores de várias nacionalidades”, destaca Costa. Ele conta que aprendeu a trabalhar em ambientes assim ao atuar em outras multinacionais no Brasil e na Alemanha.
INFÂNCIA
O modo mais corriqueiro de testar essas capacidades é a chamada “entrevista por competências”, em que o recrutador pede que o candidato conte fatos de sua carreira em pontos específicos, como “conte sobre uma situação em que você precisou tomar uma decisão difícil” ou “diga quais eram as suas metas no seu emprego anterior e como fazia para atingi-las”.
“Você vai por um caminho em que a pessoa é obrigada a relatar vários posicionamentos frente a situações corriqueiras que enfrentou”, diz Falcão. “Mesmo que a pessoa minta, é difícil que ela não revele qual é a opinião dela.”
Nesses casos, não há uma resposta certa ou errada. A ideia é detectar nas respostas qual é o comportamento típico do profissional nessas situações e analisar se elas estão alinhadas ao perfil da vaga e da empresa.
Esse tipo de pergunta também serve para verificar se o candidato tem vivência suficiente para o cargo.
“Se eu pergunto sobre uma frustração que a pessoa teve no trabalho e ela fala sobre algo simples, mas que, mesmo assim, se mostrou um martírio, isso pode indicar que ela não tem muita maturidade, ainda não viveu conflitos importantes”, afirma Roberto Picino, diretor-executivo da consultoria Page Personnel.
É possível que o selecionador ligue para antigos colegas e chefes para verificar traços comportamentais do postulante ao emprego.
Mas há empresas que vão além disso na análise da personalidade dos futuros funcionários. Na MundiPagg, companhia que oferece serviços de pagamento on-line, o candidato é questionado sobre como era seu comportamento na infância, qual é a estrutura de sua família e como se comportava na escola ou na faculdade.
“Queremos saber se ele tomava a frente do grupo ou apenas era um integrante, se gostava de apresentar trabalhos na frente das pessoas ou só de organizar”, conta a cofundadora Verena Stukart.
A companhia, em geral, busca profissionais com perfil competitivo e, por isso, questiona até qual atividade física o candidato pratica. De acordo com Stukart, o esporte escolhido pode indicar se a pessoa gosta menos ou mais de estar em uma competição.
Eduardo Molter, 23, foi contratado no ano passado como analista comercial da companhia, mesmo sem ter grandes conhecimentos técnicos a respeito de comércio virtual, que é a área de atuação da empresa – ele estuda relações internacionais.
Ele afirma que o fato de ter informado durante a entrevista que é atleta federado de polo aquático, um esporte que exige muito contato físico e pode ser agressivo, contou para a contratação.
“O fato de treinar um esporte que exige raça e espírito de equipe ressaltou a minha característica de competitividade durante o processo”, diz Molter.
HORA DA MUDANÇA
Especialistas dizem que essas capacidades comportamentais podem ser treinadas mesmo por quem não as têm naturalmente, mas isso exige esforço. O “coach” Luiz Cláudio Binato diz que o processo pode ser “doloroso”. “A pessoa precisa chegar a um nível de autoconhecimento muito grande.”
O primeiro passo é fazer uma avaliação de si mesmo, e perceber quais são os pontos fracos –como dificuldade de comunicação ou de manter a calma em situações de estresse. Depois, é indicado conversar com colegas para verificar se essas impressões estão corretas.
“É comum que a pessoa diga: ‘Sou desse jeito’, mas, na verdade, os outros a vejam da forma inversa”, diz Fátima Rossetto, diretora de desenvolvimento de talentos da consultoria LHH|DBM. “Ela pode ter uma percepção invertida por se forçar a ser assim, mas na prática não ser.”
Esteves, da Robert Half, diz que é preciso que o profissional se desafie a mudar esses traços, o que é “mais complicado do que desenvolver a parte técnica [necessária para uma vaga]”.
“Se não se colocar em momentos em que precisa vencer a timidez e falar com o público e com clientes e se não se exercitar, não consegue.”
A consultora da LHH|DBM ressalta que é importante que os profissionais tentem escolher cargos e empresas que “favoreçam seu eixo de comportamento”.
“Se um extrovertido vai para uma empresa formal, em que ele precisa operar de modo silencioso, vai ter muita dificuldade de se adaptar. Ele vai gastar muita energia nisso e pode ser menos produtivo”, afirma. Ela também diz que é possível recorrer a treinamentos para desenvolver aspectos comportamentais.
Antunes, depois de ser demitido no ano passado, participou de um curso em um instituto, no Rio de Janeiro, que trabalha com profissionais que querem melhorar a chamada “inteligência emocional”. “Você treina as suas emoções para eliminar comportamentos inadequados”, conta. Ele conseguiu outro emprego e hoje consegue lidar melhor com a equipe.
Fonte: UOL | Folha de S. Paulo | Felipe Maia
Gostei muito do artigo, mas fiquei confuso logo no início do texto quando não entendi direito porque o Cláudio Antunes foi DEMITIDO. Entendi que ele sofria pressão dos chefes e, por conta disto, perdia os limites com sua equipe (ele não estaria tentando dar conta do ‘solicitado’, mas a pressão era ‘tamanha’ que ele não conseguia manter a ‘linha’)!
Bem, fiquei realmente com dúvidas sobre a visão-geral que a empresa defendeu em relação a este “caso”. Poderia ter sido a pressão demasiada sobre o Antunes!? Talvez SIM! Veja que não quero jogar contra, mas, muitas vezes um funcionário recebe MISSÕES IMPOSSÍVEIS do seu chefe (e este do seu chefe). É um efeito cascata! No final, muitos destes ‘elos’ acabam ‘degenerando’ sua integridade pessoal por conta de uma NECESSIDADE da empresa! Quem ‘pode’ se livra da ‘pressão’, lançando ao outro… e o ELO mais fraco é exterminado! Mas isto pode ser ‘calculado’ por bons planejadores e estrategistas… então, porque não fazer diferente? Porque não ‘evitar’ chegar neste ponto?
Estamos em um ‘NOVO MUNDO’. As empresas também precisam se HUMANIZAR! Jamais devemos ‘consumir’ a integridade pessoal de uma pessoa em troca de frutos (capitalistas). Na vdd, penso diferente: “É preciso gerar oportunidades de melhoria sem prejuízo da integridade psicológica dos trabalhadores. Jogar no mesmo time é, muitas vezes, aderir a batalhas árduas e longas, mas, estando todos no mesmo time, conhecendo os benefícios dos resultados favoráveis e os prejuízos de não aderir à ‘batalha’… inclusive, é nesta hora que se aproveita para fazer a faxina na equipe, deixando ir embora os que já não aceitam o DESAFIO à frente – gente, é só ver um filme de ‘guerra’ que é assim que funciona (e funciona mesmo).”
– No exemplo do Antunes me pareceu que seus chefes estavam distante demais dele para jogarem no mesmo time (deu a impressão de que eles ‘decretaram’ FAÇA O IMPOSSÍVEL, pois QUEREMOS QUE SEJA ASSIM – nestas condições INFLEXÍVEIS, é claro que só sobra pro Antunes explodir pra cima da equipe; sem alternativas, sem visão do todo, como ele vai MOTIVAR se ele próprio está ENCURRALADO?)!
É preciso ter um ‘respeito’ aos aspectos técnicos e, sobretudo, dispor de profissionais capazes e hábeis que ocupem a ‘chefia’ da ‘chefia’. Não adianta colocar um “general” lá em cima que só dá a ORDEM/PRESSÃO e espera o resultado! Se for assim, falta o espírito de equipe no ALTO ESCALÃO! Aí não combina (integra) falar em “empresa moderna” quando o espírito de equipe só vale para o BAIXO ESCALÃO! Fica muito fácil pro general tomar suco enquanto seu pelotão morre no campo de batalha. Vale a dica dos ‘bons generais’ que entravam na batalha junto com seus fuzileiros… isto sim é líder!