Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Segunda passada, na belíssima Gare Du Nord, em Paris, tomamos o Eurostar, o trem de alta velocidade que liga, através do Eurotúnel, o Continente Europeu à Grã-Bretanha. Destino: Estação de St. Pancras Internacional, em Londres. Mesmo por baixo da água, chegamos muito bem, registro.
Fazia mais de um ano que não punha os pés na cidade que, por mais de quatro anos, quando do meu doutorado no King’s College London, me recebeu muito bem (e a ambos, cidade e universidade, mais uma vez agradeço).
Londres, pelo que vi, não mudou muito.
E isso inclui, no mês abril, infelizmente, o frio e a chuvinha de estilo.
Mas, tirando de lado esses “pequenos” aborrecimentos que o turista há de transpor (se quer “passar além do Bojador”), tudo está “nos conformes”. Pontos turísticos, monumentos, museus, bibliotecas, pubs, metrô, avenidas e ruelas, tudo está lá. Sempre (ou quase sempre, pois nada é perfeito) organizado, limpo e, sobretudo, muitíssimo seguro, considerados os padrões da nossa terrinha (que, no quesito segurança, anda merecendo nota zero).
Lá ainda está, por exemplo, a maravilhosa British Library (www.bl.uk), situada, precisamente, no número 96 da Euston Road, adjacente à estação de trem/metrô de St. Pancras Internacional, por onde, já disse, chegamos em Londres (vizinho também fica a estação de King’s Cross, mais antiga, que também vale uma visita). Um gigantesco prédio inaugurado, em 1988, pela Rainha Elizabeth II em pessoa.
Tendo por mote nossa chegada a Londres via estação de trem/metrô de St. Pancras, recordo, saudoso, minhas visitas a British Library. No meu último ano de estudos em Londres, morava no bairro de Bloomsbury, a cerca de dez minutos de caminhada da biblioteca. E toda vez que podia, dava um pulo lá para estudar, visitar as exposições ou apenas para tomar um café vendo o tempo passar.
Depósito legal de livros para o Reino Unido e a República da Irlanda (juntamente com a Bodleian Library/Oxford, a University Library/Cambridge, a National Library of Scotland/Edinburgh, a Library of Trinity College/Dublin e a National Library of Wales/Aberystwyth), a British Library recebe uma cópia de cada livro publicado por essas bandas.
O acervo da British Library é gigantesco. Mais de 150 milhões de itens, em quase toda língua imaginável, incluindo livros (obviamente), manuscritos, mapas, jornais, revistas, desenhos, arquivos de música, selos e por aí vai. Cerca de três milhões de itens são adicionados a cada ano. Segundo propaga a própria biblioteca, atualmente, para hospedar a imensa coleção, são mais de 625 quilômetros de estantes, com previsão de crescimento de mais doze a cada ano. Espaços individuais de leitura são mais de 1.200. E se um leitor desejasse consultar cinco desses itens por dia, levaria mais de 80.000 anos para xeretar todo o acervo.
A British Library, à semelhança de outras grandes bibliotecas, é também um riquíssimo museu (e gratuito!!!). A biblioteca exibe, em local preparado para tanto (a “Sir John Ritblat Gallery”), como exposição permanente, algumas de suas peças mais valiosas, chamadas de “Treasures of the British Library”. A lista inclui: os Evangelhos de Lindisfarne; o “Diamond Sutra” (segundo a Biblioteca, o mais antigo livro impresso inteiramente conservado); uma Bíblia de Gutemberg; partituras originais de Handel, Mozart e dos Beatles; manuscritos ou primeiras de edições das obras de Lewis Caroll, Charles Dickens, Jane Austen, James Joyce e muitos outros gênios da literatura; um belo exemplar do Primeiro Fólio de Shakespeare; a primeira edição do “The Times”; e por aí vai.
Para os interessados no Direito, a British Library possui, como uma das joias da sua coleção, um dos “originais” da Magna Carta (também chamada de Magna Carta Libertatum ou Grande Carta das Liberdades). Originalmente escrita em latim, a Magna Carta é um dos documentos mais importantes da história do direito, não sendo exagero dizer, também, da Humanidade. Diz-se, por exemplo, estar na Magna Carta a origem do habeas corpus, já que ela garante, pelo menos implicitamente, a expedição dessa ordem para o caso de prisão ilegal. Sem dúvida, ela foi um grandes dos passos dados em direção ao constitucionalismo moderno. Segundo a própria Biblioteca, aparentemente, não existiu um “original” da Magna Carta, formalmente assinado em 1215 (como seria de praxe hoje em dia). Foram muitos os “originais” da Magna Carta produzidos à época, sendo enviados para serem guardados em lugares supostamente seguros, como catedrais, abadias etc. Apenas quatro sobreviveram e dois desses estão na British Library.
E, afora a sua coleção permanente, a British Library sempre nos presenteia com exposições temporárias fantásticas. Das que vi, a que mais gostei foi uma sobre ficção científica (e aqui relembro ao leitor a crônica da semana passada, sobre Jules Verne), denominada “Out of this World – Science Fiction: but not as you know it”. A exposição, dividida em subáreas (“mundos alienígenas”, “universos paralelos”, “mundos futuros”, “mundos virtuais”, “mundos perfeitos” e “o fim do mundo”), contava a história da ficção cientifica nos últimos dois mil anos, prevendo, ainda, o que é maravilhoso, o “futuro” da ficção científica. Até hoje folheio, sonhador, o belíssimo livro/catálogo da exposição, que comprei, encantado, na “lojinha” – melhor definida como uma livraria que vende livros sobre livros – da British Library.
De minha parte, relembro com uma saudade gostosa os momentos passados na grande biblioteca. Outra dia me disseram que saudade às vezes é bom. É mesmo.
Já para você, caro leitor, se um dia for ou voltar a Londres, chegando ou não pela Estação de St. Pancras Internacional, recomendo dar um pulo na British Library. Pode ter certeza, tem futuro!!!
Fonte: Tribuna do Norte