Murilo Bastos da Cunha*
Nos últimos dias, uma das notícias mais comentadas no Brasil foi o fato de que na prova de redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 529.373 estudantes tiraram zero. Dos 6.193.565 estudantes que prestaram o Enem em 2014, 8,5% zeraram a prova de redação, enquanto apenas 250 conseguiram a nota máxima. Esse meio milhão de notas zero é um número chocante e provocou inúmeras reações na mídia, reclamações dos professores e dirigentes das escolas e também do público em geral.
Nas notícias que li e nos programas de rádio ou de televisão que tive a oportunidade de ouvir ou assistir não vi nenhuma menção à falta de biblioteca nas escolas do ensino fundamental e médio. Aqui, não valeria a pena especular se esse meio milhão de zeros não teve como um dos fatos geradores a ausência da biblioteca escolar? Será que esse meio milhão de jovens brasileiros não foi privado de usar o potencial informativo dessas bibliotecas? Será que a falta desse espaço de leitura e estudo também não provocou perdas perante os professores desses jovens?
É sabido que, em nosso país, a biblioteca não faz parte dos componentes de uma escola. Em decorrência disso, em 2010, foi aprovada a Lei nº 12.244, dispondo que até 2020 toda escola deveria ter biblioteca.
Como sabemos, em nosso país existem leis que pegam e outras que são letras mortas. Em 2012, tentando fazer com que a Lei nº 12.244 pegasse, o Instituto Ecofuturo lançou a campanha “Eu quero a minha biblioteca”. Dados dessa importante e cívica iniciativa mostraram que:
– para a lei ser cumprida no prazo, 53 bibliotecas deveriam ser construídas por dia no Brasil;
– O estado com menor percentual de bibliotecas por escolas era o Maranhão: apenas 12,6% das escolas tinham bibliotecas. Já o Rio Grande do Sul, com 62,4%, era o com maior percentual.
Dados do Instituto Ecofuturo mostraram correlação positiva entre a existência da biblioteca na escola e a qualidade do aprendizado por parte dos alunos: “o impacto chega a ser de 156% de melhoria no índice de aprovação escolar e de 46% na redução da taxa de abandono”.
A triste realidade da falta de biblioteca é agravada pelo baixo hábito de leitura. Não estou falando somente dos alunos que, atualmente, ficam mais antenados nas redes sociais acessadas pelos telefones celulares. Falo também da formação precária dos professores que, geralmente, não são leitores. Assim, muitos mestres não motivam seus alunos a lerem, pois eles também não são leitores regulares.
Além da criação da biblioteca escolar, é importante se pensar nos recursos humanos qualificados para gerir o local. Similar à educação física, em que não se pensa em contratar profissional que não seja graduado, na biblioteca é básico que se pense no bibliotecário e no assistente. Eles são profissionais habilitados a dinamizarem esse espaço no ambiente escolar. Na unidade de ensino que conta com esse serviço é salutar que se pare com a ineficaz tradição de deslocar para o setor professores com algum problema de saúde, senhoras grávidas ou mesmo os alérgicos ao pó do giz. Sem o devido pessoal qualificado, não poderá cumprir o importante papel que lhe é reservado no contexto escolar.
Quer um exemplo da importância da leitura? Pois bem. O tema de redação da última prova do Enem, essa que teve meio milhão de notas zero, foi “publicidade infantil em questão no Brasil”.
A ideia de que as bibliotecas são componente essencial no processo educativo é aceita por todo educador. No entanto, como vimos anteriormente, é pequeno o percentual das escolas que têm esse vital equipamento. Anísio Teixeira, um dos grandes educadores brasileiros, no modelo da Escola Nova, defendeu, a uns 70 anos atrás, a biblioteca como algo importante na moderna escola. Será que ainda teremos que esperar mais 70 anos para a biblioteca ser integrante da escola brasileira?
A biblioteca escolar pode fazer com que o novo slogan governamental – “Brasil, Pátria Educadora” – seja algo real e factível. Nosso país precisa de muita leitura, de bons livros, impressos ou eletrônicos, de boas bibliotecas.
Professor da Faculdade de Ciência da Informação, Universidade de Brasília
Fonte: Correio Braziliense