Diante do descaso com as bibliotecas nos últimos anos e com o objetivo de defender a qualidade no acesso ao conhecimento e cultura, o Conselho Federal de Biblioteconomia (CFB) produziu uma carta aberta para os candidatos à Presidência da República. O documento também relata o fechamento de bibliotecas, o desmonte das políticas públicas no setor e o descompromisso com a Lei de Universalização de Bibliotecas Escolares (Lei nº 12.244/2010) e a Lei da Política Nacional de Leitura e Escrita (Lei nº 13.696/2018).
A carta propõe uma linha de ação de dez itens como forma de enfrentar os problemas encontrados e também está disponível em uma plataforma de recolhimento de assinaturas como forma de ampliar sua divulgação. A redação foi elaborada com a contribuição dos Conselhos Regionais de Biblioteconomia de todo o país. Em Minas Gerais, a carta também será enviada para todos os candidatos e candidatas ao Governo do Estado.
Leia abaixo a carta na íntegra:
AS BIBLIOTECAS E O BRASIL DO FUTURO:
CARTA ABERTA ÀS PRESIDENCIÁVEIS E AOS PRESIDENCIÁVEIS
As bibliotecas são produtos e ferramentas das civilizações. Para além de serem as guardiãs da memória humana, elas são os repositórios do conhecimento acumulado pela humanidade desde que se inventou a escrita e os principais instrumentos para o desenvolvimento social, político e econômico de uma nação.
Apesar de a biblioteca perpassar toda a história brasileira, sua disseminação entre nós é lenta, desigual e descontinuada. Os processos de estabelecimento de políticas públicas destinadas a garantir a todos os brasileiros e brasileiras o acesso pleno a este importante equipamento cultural, gerador de mobilidade social, se arrastam desde a criação de nossas primeiras bibliotecas.
Cientes de que a biblioteca é o espaço por excelência da prestação de informações seguras e certificadas, articulando com maestria a educação e a cultura, recebemos com alegria e esperança o advento da Constituição Federal de 1988. Afinal, ela assegura, expressamente, a todas e todos, o pleno acesso à informação (art. 5º, XIV, 220) síntese dos direitos humanos no processo de efetivação da cidadania, bem como o desfrute do patrimônio cultural (art. 216-217), custodiando e disseminando com diligência as fontes de nossa cultura. Entretanto, a incapacidade do Estado Brasileiro em efetivar este direito tem se intensificado nos últimos anos, manifesta tanto no abandono das políticas públicas, quanto na precarização orgânica das instituições públicas responsáveis pelas bibliotecas, passando pela negligência normativa.
Mal havia sido promulgada a Constituição Cidadã, o primeiro Presidente da República eleito pelo povo desde 1960 extinguiu o Instituto Nacional do Livro, que prestava um papel extraordinário na implementação de bibliotecas públicas. Mais recentemente o Governo Federal admitiu que, entre 2015 e 2020, o Brasil perdeu, a cada cinco dias, duas bibliotecas. O fechamento generalizado de nossas bibliotecas se associa à condição de penúria do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas, incapacitado de cumprir sua missão de integrar as mais de cinco mil bibliotecas públicas espalhadas pelo País, em sua grande maioria funcionando em situação precária. A política de inanição orçamentária também alcançou o Programa Nacional de Incentivo à Leitura (PROLER), inviabilizando a formação de mediadores de leitura, agentes fundamentais na formação de leitores.
Esta incompreensão do Estado brasileiro sobre o importante papel das bibliotecas levou à ausência de políticas públicas eficientes e reverberou na estrutura orgânica: a Diretoria do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca, criada no Ministério da Cultura em 1992, está hoje reduzida a um Departamento, frequentemente vitimado por cortes orçamentários e descontinuidades em suas ações. Além disso, o desapreço do Estado pelas bibliotecas se materializa no hiato ou, ainda pior, no desrespeito a certos atos normativos; é o caso da Lei de Universalização de Bibliotecas Escolares (Lei nº 12.244/2010), que tem sido flagrantemente descumprida pelos entes federados, usurpando de nossas crianças e adolescentes o direito ao usufruto da biblioteca, e a Lei da Política Nacional de Leitura e Escrita (Lei nº 13.696/2018), que jamais foi regulamentada.
Considerando o papel da biblioteca em formar leitores comprometidos com os valores democráticos – promovendo, assim, a inclusão social, econômica e política, de forma a combater o preconceito em razão de nacionalidade, idade, gênero, etnia, cor, deficiência, religião, convicção política ou filosófica, condição econômica ou outro; considerando a biblioteca como um dos pilares para o desenvolvimento cultural, econômico, tecnológico e social do país –, propomos às candidatas e aos candidatos à Presidência da República as 10 linhas de ação abaixo:
1 – Regulamentar e implantar a Lei nº 13.696/2018, que institui a Política Nacional de Leitura e Escrita, priorizando o financiamento das bibliotecas de acesso público – responsável pela democratização do livro – o que permitirá a qualificação dos espaços, acervos, mobiliários, equipamentos, programação e pessoal, conforme expressamente previsto no ato normativo supracitado (art. 3º, IV).
2 – Garantir a presença de, pelo menos, uma biblioteca pública em cada município brasileiro por meio do fortalecimento do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP).
3 – Atuar pela aprovação de projeto de lei que institui a Política Nacional de Bibliotecas.
4 – Apresentar e atuar pela aprovação de proposição legislativa que estabeleça percentual mínimo dos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) destinado à criação e manutenção das bibliotecas escolares, equipamento obrigatório por força normativa (Lei nº 12.244/2010).
5 – Regulamentar a Lei nº 10.994/2004, que institui o depósito legal, garantindo, assim, que toda a produção bibliográfica do País, independentemente da região de publicação, possa ser preservada para a posteridade.
6 – Garantir que todos os reclusos em estabelecimentos prisionais tenham acesso à biblioteca, direito este garantido por meio da Lei nº 7.210/1984 (art. 21).
7 – Nomear bibliotecário para o cargo de Presidente da Fundação Biblioteca Nacional. Tal medida, além de denotar respeito ao ordenamento jurídico, que determina ser de competência exclusiva do bacharel em Biblioteconomia a administração e direção das bibliotecas (Lei nº 4.084/1962, art. 6º, d; Decreto nº 56.725, art. 8º, III), potencializará a missão daquele equipamento cultural, um dos mais importantes de nosso País.
8 – Nomear bibliotecário para o cargo de Coordenador do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas, possibilitando, assim, que esta rede seja adequadamente gerida por pessoa competente, obedecendo, ademais, a diploma normativo (Lei nº 4.084/1962, art. 6º, d; Decreto nº 56.725, art. 8º, III).
9 – Promover as bibliotecas por meio de campanhas publicitárias permanentes, em todos os meios de comunicação social.
10 – Investir em programas e projetos para estimular a formação promotoras e promotores de leitura, dando especial relevo ao Programa Nacional de Incentivo à Leitura (PROLER).
O Conselho Regional de Biblioteconomia 6ª Região (CRB-6) convida todos para assinarem a carta, clicando aqui, e a divulgarem o documento para amigos e familiares.