A importância da leitura dentro da história da humanidade sempre surgiu como uma condição essencial para a construção do poder crítico do indivíduo. Para entender — e compreender — os acontecimentos de sua época, a pessoa deve possuir ferramentas que apenas o conhecimento pode transmitir.
Esse conhecimento pode estar guardado em inúmeros lugares. Porém, para escutarmos o que as gerações antigas têm a nos dizer, precisamos consultar os livros, pois neles ficaram registrados seus pensamentos, incluindo certas instruções para a resolução de problemas que, no fundo, apenas se repetem.
Vejamos um exemplo. Milênios atrás, Aristóteles, um filósofo grego, escreveu um livro chamado Política, no qual analisa o contexto de sua época e de épocas anteriores, além de apontar os regimes políticos possíveis. Apesar da grande distância de tempo, os teóricos políticos dos tempos atuais precisam passar pelo estudo das teorias aristotélicas para refletir acerca das condições atuais.
Para continuar na Grécia, passemos para o professor de Aristóteles, Platão. Em sua mais conhecida obra, A República, ele descreve um modelo ideal de cidadão que, se fosse reproduzido em larga escala dentro da cidade, constituiria uma sociedade perfeita, na qual todas as pessoas viveriam em perfeita harmonia. Milênios depois de ter escrito sua teoria, ele permanece sendo referência para os estudiosos posteriores, que o leem com bastante atenção.
Esses dois exemplos citados serviram para que possamos perceber a importância dos pensamentos antigos para a reflexão contemporânea dos acontecimentos. E até hoje, o modo mais comum de registro ainda é o livro.
E o que é ser leitor?
Para ser leitor, basta ler.
Simples.
Se a leitura for assim considerada, então os brasileiros não tem problema algum com ela, já que estão constantemente lendo alguma coisa, seja na internet, nas placas de trânsito, nas legendas dos filmes e dos jogos de videogames ou nos anúncios dos shopping centers.
Leitura é o que não falta no dia a dia das pessoas no Brasil e no mundo. Nesse caso, é melhor recolher o texto que estou escrevendo, porque o brasileiro lê, sim. Mas será?
Para organizar melhor os argumentos, foi escolhido uma fonte de referência que se renova de dois em dois anos e já se encontra no terceiro volume, que é a pesquisa Retratos da leitura no Brasil, feita pela Instituto Pró-livro de São Paulo. Nela, pessoas espalhadas por todo o país responderam diversos questionários, e foi possível saber, dentre muitas coisas, não apenas a quantidade de pessoas que têm o hábito da leitura, mas também porque os brasileiros não leem.
Segundo o livro Retratos da leitura no Brasil, leitor seria “aquele que leu, inteiro ou em partes, pelo menos 1 livro nos últimos 3 meses”. E não leitor seria “aquele que não leu, nenhum livro nos últimos 3 meses, mesmo que tenha lido nos últimos 12 meses”. Sendo assim, excluem-se leituras em jornais, revistas, folhetos, internet etc.
Na pesquisa feita em 2007, o número de livros lidos por habitante/ano era de 4,7. Na pesquisa divulgada em 2013, esse número caiu e atingiu a marca de apenas 4 livros por ano, sendo 2,1 inteiros e 2,0 em partes.
Preocupante, não?
Se considerarmos que grande parte das pessoas pesquisadas ainda participa de algum estágio da formação escolar ou acadêmica, muitos desses quatro livros por ano são leituras técnicas e/ou obrigatórias, e as quantidade de leituras espontâneas, aquelas que a pessoa faz por iniciativa própria, são ainda menores.
Outro ponto importante para identificarmos os leitores no Brasil são as regiões. O Nordeste é o que mais lê, com cerca de 4,3 livros por ano. Já o Norte puxa toda a média para baixo, com 2,7.
Com isso, é possível verificar que o brasileiro já lia pouco em 2007. Contudo, conseguiu diminuir ainda mais esse número na última pesquisa e alcançou uma marca preocupante para um país que deseja se desenvolver e que figura entre as dez maiores economias do mundo
E por que o brasileiro não lê?
Com o baixo interesse do brasileiro em leitura confirmado pela pesquisa, resta agora tentar entender os motivos que geram essa problemática. Vamos lá.
Pais que não têm o hábito de ler não são boas referências de leitura para o filho.
Para que uma criança descubra o prazer pela leitura, a primeira influência que ela pode receber é a familiar. Assim, se os pais têm o hábito de ler constantemente em seus horários livres, a criança rapidamente vai associar essa prática a uma coisa legal e divertida.
Mas, se ao contrário, os pais não têm o hábito de pegar um livro nas mãos, a criança vai apenas reproduzir aquilo que vê em casa.
Um detalhe interessante para se destacar nesse ponto é sobre o que os brasileiros costumam fazer quando têm tempo livre, ou seja, quando estão fora do trabalho, da escola ou de quaisquer obrigações. A resposta é surpreendente.
A leitura ocupa uma singela sétima colocação colocação, atrás de assistir à televisão, descansar e escutar música ou rádio. Porém, um dado rivaliza com esse que acabamos de descobrir. Questionados sobre as razões que o fizeram não ter lido nos últimos três meses, 53% dos brasileiros responderam que não tinham tempo para ler.
Com esses dados em mãos, fica fácil perceber que, embora tenham rapidamente apontado, o verdadeiro problema não é a falta de tempo, e sim a falta de interesse pela leitura. O que acontece é que a pessoa prefere tomar uma cerveja no bar com os amigos, assistir a um jogo de futebol ou a um filme do que sentar numa poltrona ou sofá para ler um livro.
O mesmo ocorre quando as pessoas questionam que não têm dinheiro para comprar um livro ou que o livro custa caro. Muitas vezes, sim, ele custa caro, mas o mesmo sujeito que faz essa reclamação reserva uma quantia de seu salário para gastar em farra no final de semana.
Então, mais uma vez, o problema não é o dinheiro, e sim o interesse.
O paradoxo do preço do livro
Ah, o preço do livro é alto demais? Chegou a hora de você conhecer o paradoxo que envolve esse problema.
Resumidamente, para o preço do livro ser definido, a editora soma diversos valores, que incluem as seguintes etapas:
1. produção (que se resume basicamente em preparação de texto, diagramação/projeto gráfico, revisão e design de capa);
2. impressão;
3. marketing;
4. distribuição.
Todas essas etapas variam de preço, sempre dependendo da qualidade do profissional que vai executá-las.
Porém, uma delas possui um detalhe que é universal: quanto mais livros são impressos, mais barato fico o preço unitário.
Isso acontece porque o custo de colocar uma máquina de impressão para funcionar é alto e, para se manter, as gráficas precisam dar prioridade às grandes tiragens, que, embora utilizem mais material, compensam na continuidade do trabalho.
Para ilustrar, vamos usar um exemplo. Digamos que a tiragem de um determinado título tenha sido de 3000 exemplares e seu preço de capa — ou seja, aquele aplicado nas livrarias — seja R$40,00. Em virtude do preço gasto na gráfica e em todas as etapas de produção, fica impossível para a editora fazer um preço menor.
Todavia, se ela optasse por mandar imprimir 10.000 exemplares, provavelmente o preço de capa do livro baixaria para algo em torno de R$20,00 e R$30,00. E por que as editoras não fazem isso sempre? Porque não existem leitores suficientes para bancar uma tiragem de 10.000 exemplares.
Entenderam o paradoxo?
As pessoas não comprar livros por os considerarem caros, e os livros são caros porque as pessoas não os compram.
A influência da família no cultivo do hábito da leitura em casa é de extrema importância. Pais que gostam de ler estimulam seus filhos. E essa questão muitas vezes não tem relação com o baixo ou alto poder aquisitivo, já que bibliotecas existem para conceder o acesso.
Mas e quando os pais não sabem ler?
Bem, esse é o nosso próximo tópico.
Países católicos, geralmente, leem menos que protestantes
Segundo o intelectual alemão Max Weber, o espírito do capitalismo reside dentro da ética protestante. Dessa forma, a maioria dos países que se desenvolveram durante a Revolução Industrial seguiam a filosofia iniciada por Martinho Lutero na Alemanha, no século XVI.
Para o filósofo, os protestantes possuem uma formação educacional mais técnica, voltada para a pesquisa e para a contestação.
E não é para menos, né?
Lutero foi um padre ordenado pela Igreja Católica, mas expulso por criticar o distanciamento que ela mantinha com os fiéis. Não contente com apenas questionar as bases católicas, ele fez algo terminantemente proibido: traduzir a Bíblia para uma língua diferente do latim. No caso, ele traduziu para o alemão. A partir daí, aqueles que queriam ler a Bíblia e muitos outros livros, poderiam fazê-lo.
Esse distanciamento da Igreja Católica foi criticado por Lutero, que optou por criar sua própria corrente religiosa. Porém, por séculos ela continuou tendo seguidores, que estavam satisfeitos em não ter tanto acesso às informações quanto os protestantes, e aceitaram até 1962 que a liturgia católica seguisse o formato romano e fosse rezada em latim, língua inacessível para quase 100% de seus seguidores nos dias atuais.
Por isso, os protestantes receberam maiores estímulos à leitura (mesmo que, na época, fossem apenas documentos religiosos), enquanto que os católicos eram afastados dos assuntos relacionados à sua igreja e, consequentemente, à leitura e à pesquisa.
Para formarmos um país de leitores, precisamos começar dentro de nossas próprias casas, precisamos entender que a leitura é, sim, prazerosa, e que rende frutos fascinantes para aqueles que a praticam.
Com ela, uma pessoa pode, efetivamente, se tornar cidadã, com poder e consciência crítica. Agora que sabemos os motivos que prejudicam o hábito da leitura no Brasil, podemos identificar as soluções, não acham?
Então levante, pegue o seu livro — impresso ou eletrônico — e comece a ler. Qualquer leitura é válida.
Vamos aumentar essa média de leituras por ano no Brasil?
>> Leia o artigo na íntegra
Nota do editor: nenhuma imagem foi inserida nesse post de propósito, para que o foco seja unica e exclusivamente a leitura e a reflexão sobre a leitura no Brasil. O espaço de comentários está aberto para a discussão.
Fonte: Papo de Homem | Filipe Larêdo