O Conselho Regional de Biblioteconomia 6ª Região (CRB-6) realizou uma entrevista exclusiva com Daniel Rodrigues Silva Miranda, mestre em gestão e organização do conhecimento pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e autor da nova cartilha “Recomendações para Implementação do RDA em Bibliotecas Brasileiras”.
Resultado da dissertação de mestrado defendida por Daniel em novembro de 2023, a cartilha oferece um guia prático para a adaptação ao Resource Description and Access (RDA), um padrão internacional de descrição de recursos bibliográficos. Na entrevista, Miranda detalha como o documento pode facilitar a transição para essa norma, destacando as principais diretrizes e oferecendo dicas para a implementação eficiente.
Durante a conversa, o autor explicou como a cartilha, desenvolvida sob a orientação da professora Dra. Cíntia de Azevedo Lourenço (CRB-6/2192) e com a coorientação da professora Dra. Célia da Consolação Dias, pretende simplificar o processo de adoção do RDA para bibliotecas brasileiras.
Daniel enfatizou a importância de começar com um planejamento estratégico e abordou como a cartilha pode servir como um recurso valioso para Bibliotecários que buscam alinhar suas práticas aos padrões globais, tornando a implementação mais acessível e adaptada às necessidades locais.
- Quais são os principais desafios que as bibliotecas brasileiras enfrentam na implementação do RDA?
Acredito que o principal é o desconhecimento de como a nova norma funciona. A maioria dos materiais sobre o RDA e sobre treinamento ainda estão em inglês, o que dificulta ainda mais o acesso a esses textos básicos.
Além disso, temos o valor da assinatura do RDAToolkit e o problema da adequação técnica dos OPACs, que precisarão ser adaptados para a implementação do RDA. Tudo acaba girando em torno da questão de verbas para essa empreitada.
- Como a cartilha pode auxiliar os Bibliotecários a superar esses desafios?
A cartilha traz impressões de bibliotecas do mundo todo sobre esse processo e pode ajudar os Bibliotecários brasileiros a saber principalmente por onde começar, de uma forma simples e divertida.
Nesse tipo de mudança, uma das questões é sempre essa: por onde começar. Depois, quais os passos seguintes precisam ser planejados. A cartilha tenta trazer essas dicas.
- Quais são as principais diferenças entre o RDA e os padrões de catalogação anteriormente utilizados no Brasil?
A principal diferença é como fazer a catalogação, que deixa de ser direcionada pelo tipo de suporte, para ser realizada olhando a Obra como um todo. O suporte passa a ser um elemento de identificação da manifestação dessa obra.
Além disso, deixa de utilizar abreviaturas e expressões em latim que hoje podem ser inteligíveis para nossos usuários.
- Como a implementação do RDA pode impactar a experiência do usuário de um modo geral?
Um exemplo são as próprias expressões em latim, que ainda por cima eram abreviadas! Antigamente as pessoas aprendiam latim, mas hoje ninguém mais sabe. Essa mudança já deixa o registro bibliográfico mais inteligível para o usuário. Além disso, o RDA deixa muitas decisões sobre o que incluir na descrição para o Bibliotecário. Dessa forma, poderemos atender melhor o usuário personalizando a catalogação de acordo com o perfil de nossos usuários.
- Qual foi a principal motivação para a criação desta cartilha sobre RDA?
Fiz meu mestrado com bolsa do CNPq, e essa bolsa especificamente tinha como exigência a entrega de um produto após o término da dissertação. Uma de minhas orientadoras, recebeu uma cartilha por e-mail sobre outro tema, e sugeriu que fizéssemos uma para entregar como produto da dissertação ao CNPq.
- Quais os principais desafios enfrentados durante a elaboração da cartilha e como foram superados?
O maior deles foi em relação às ilustrações! Ninguém sabia desenhar e não tinha verba para pagar um ilustrador. Resolvemos o problema construindo as ilustrações com o auxílio de uma IA.
- A cartilha aborda algum caso prático ou estudo de caso específico para ilustrar a aplicação do RDA em bibliotecas brasileiras?
Não especificamente. Como a pesquisa foi realizada com base em revisão de literatura dos artigos sobre experiências de implementação, não houve subsídios nesses textos para abordar um caso prático na íntegra.
- Qual o público-alvo da cartilha?
Os Bibliotecários brasileiros que estão pensando em iniciar esse desafio de implementar o RDA em suas bibliotecas. Principalmente esses profissionais, mas qualquer outro que se interesse pelo tema também pode se beneficiar.
- A cartilha aborda as particularidades da implementação do RDA em diferentes tipos de bibliotecas?
Como já disse, os artigos que estudei não tinham muitos detalhes, mas encontrei relatos de bibliotecas públicas e universitárias em sua maioria. Entretanto não entravam em mais detalhes sobre esse ponto.
- Na sua visão, qual é a importância do RDA para o futuro das bibliotecas brasileiras?
Os catálogos atuais, em MARC ou não, são “caixas-pretas” na web. Os buscadores não entram neles e não recuperam nada do que temos armazenado nesses repositórios. Se as bibliotecas querem estar nesse universo de dados conectados, o RDA vai ser muito importante, mas teríamos que abandonar o MARC também, pois ele é o que de mais incompatível temos em nossos OPACs.
- Quais são os principais desafios que as bibliotecas brasileiras ainda enfrentam na implementação do RDA?
Principalmente o custo dessa mudança e não existir uma versão em português no RDAToolkit.
- Como a comunidade Bibliotecária pode colaborar para a consolidação do RDA no Brasil?
Começando a se mobilizar em termos de capacitação sobre essa nova norma de catalogação. Além disso, estar aberta a mudanças de paradigmas que nos tiraram da zona de conforto é fundamental.
- Quais são as suas expectativas em relação ao futuro do RDA no contexto brasileiro?
Acredito que ainda estamos engatinhando. Tenho conhecimento de apenas uma implementação de peso, a da PUC do Rio Grande do Sul. Além dessa, há notícia de alguns órgãos públicos iniciando essa empreitada, mas ainda de forma tímida (apresentadas no Colóquio de RDA).
- Há perspectiva de a cartilha ser traduzida para outros idiomas?
Não pensamos nisso realmente, mas se tivermos demanda vai ser muito gratificante. Seria uma valorização de meu trabalho.
- Você poderia dar exemplos concretos de como a cartilha pode ser utilizada no dia a dia dos Bibliotecários?
Acredito que mostrando de onde começar: treinamento. Além disso, mostra que nos agruparmos em consórcios de bibliotecas, pode baratear e otimizar os custos de treinamento, adequação técnica, assinatura do RDAToolkit, entre outras. Vai ajudar a dar o primeiro impulso nessa direção.