NOTA SOBRE O ATO DE CENSURA PRATICADO PELOS VEREADORES DA CÂMARA MUNICIPAL DA CIDADE DE URUGUAIANA/RS*
A retirada da obra QUEER MUSEU: cartografias da diferença na arte brasileira, do acervo da Biblioteca Pública Municipal da cidade de Uruguaiana/RS, aprovada pelos Vereadores da Câmara Municipal da mesma cidade, noticiada pelo Jornal Correio do Povo/Porto Alegre no último dia 6 deste mês, já foi repudiada pela Associação Rio-Grandense de Bibliotecários (ARB), Conselho Regional de Biblioteconomia da 10ª Região (CRB-10) e por outras entidades representativas de profissões da área da cultura.
Esse fato evidencia que os profissionais da área da cultura estão atentos a todos os atos e falas que ferem os princípios da livre expressão das atividades intelectuais, artísticas, científicas e de comunicação, bem como da manifestação do pensamento, da criação e da informação, como disposto no Inciso IX do Art. 5°e no Art. 220 da Constituição Federal de 1988. Além disto, neste mesmo contexto, não se pode esquecer que o Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948, também se referia a esses direitos, ao afirmar que:
Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.
Como princípio, o Conselho Federal de Biblioteconomia se opõe a todo e qualquer ato que, na sua essência, independente dos argumentos apresentados para justificá-los, tenha por finalidade a usurpação do direito que a sociedade passou a gozar a partir da aprovação e vigência dessa legislação supracitada, em especial quando esse ato assume a forma da abjeta prática da censura contra um equipamento de cultura, de educação e de informação como a biblioteca. E ainda mais contra a biblioteca pública, organização social que carrega, desde a criação, as responsabilidades técnica, social e política de reunir, tratar, preservar e disseminar a memória sociocultural produzida em todos os tempos e lugares pelo homem, com vistas a dar suporte às atividades de leitura, estudo e pesquisa de todos os cidadão, sem restrições.
Todas as bibliotecas formam e desenvolvem as coleções dos seus acervos de acordo com princípios técnicos e socioculturais próprios a cada uma, entre os quais estão incluídos a missão e os objetivos institucionais, as áreas de atuação dos entes jurídicos onde elas estão inseridas e os perfis socioculturais do público alvo (no momento de formação das coleções) e das comunidades de usuários (nos momentos de desenvolvimento das coleções) a quem devem prestar os seus serviços.
Em observância a esses princípios e aos procedimentos operacionais estabelecidos nas políticas de formação e de desenvolvimento de coleções dos acervos das bibliotecas, estejam elas documentadas ou não, são os bibliotecários que coordenam os processos de seleção (escolha) dos conteúdos das obras que serão incorporadas às coleções, como também são os bibliotecários que coordenam o processo de retirada das obras das coleções dos acervos das bibliotecas (descarte e desbastamento) que as suas equipes de avaliadores, à luz dos critérios fixados nas políticas de formação e desenvolvimento de suas coleções, considerarem impertinentes ou inadequadas, por razões diversas.
Significa que todo ato ou ação que seja processado sem a observância desses princípios e procedimentos deve ser considerado uma barbárie, intromissão externa indesejável aos princípios mais elementares de civilidade, por violar e ser estranho aos processos de formação e desenvolvimento das coleções dos acervos das bibliotecas. Neste contexto, a postura dos Vereadores da Câmara Municipal da cidade de Uruguaiana é o exemplo mais recente de barbárie ou incivilidade.
Pelo exposto, o Conselho Federal de Biblioteconomia, em nome dos seus conselheiros, e com o aval do seu Plenário, vem se solidarizar com a Biblioteca Pública Municipal da cidade de Uruguaiana/RS e com todos os seus servidores, Bibliotecários ou não, bem como solicitar aos Vereadores da Câmara Municipal dessa cidade que reflitam sobre os argumentos acima apresentados e revejam a decisão que tomaram.
Cordialmente,
Raimundo Martins de Lima (CRB-11/39)
Presidente do Conselho Federal de Biblioteconomia
*Documento disponível no site do CFB