Dez medidas para salvar os derradeiros espaços espontâneos de convívio cultural
As livrarias estão desaparecendo no mundo inteiro. Livrarias de bairro, antiquários e sebos vão fechando um depois dos outros, inapelavelmente. Até as grandes cadeias sucumbem à voragem da internet e do livro e digital. Também as bibliotecas. Muitos governos não estão mais investindo em bibliotecas físicas (inclusive o brasileiro) porque são caras e as bibliotecárias repreendem a poeira e conversam com os mosquitos. Os usuários foram embora. Mesmo assim, as bibliotecas contêm documentos raros e manuscritos, e ainda vão continuar a existir, embora em pequeno número. As livrarias, porém, correm um sério de se desintegrar pelo simples fato de que não serão mais viáveis economicamente.
A razão da transformação é um aparente avanço tecnológico: a digitalização dos arquivos de texto. Nunca houve um momento da história como o presente, em que todos os textos pudessem ser consultados ou comprados em qualquer lugar do planeta por meio de um computador. No entanto, tamanho progresso também tem afastado o leitor do contato físico e lúdico com o livro.
É preciso entender que livrarias jamais foram apenas depósitos de livros. Elas costumavam servir como espaços espontâneos de convívio entre pessoas que amavam cultura, arte e diversão. O livreiro – o empresário que investia em vendas de livros – era uma espécie de Dom Quixote que gostava de empatar o dinheiro investido pelo prazer de estar próximo dos livros e dos compradores de livros. Os escritores encontravam nas livrarias o local para suas noites de autógrafo, onde podiam se encontrar com seus leitores. Que é feito das noites de autógrafo de antanho? Ninguém mais quer nem mesmo assinar livros para os leitores. As redes sociais substituíram a presença e a interação entre autor e leitor.
Escrevo no pretérito, mas penso que as livrarias ainda têm uma função a exercer no mundo, assim como as locadoras de vídeo. E talvez ainda seja possível salvar algumas livrarias, pois as locadoras se foram de vez – elas eram também polos de encontro e troca de ideias. Atualmente ninguém quer trocar ideias. Cada um prefere ficar com as suas por considerá-las mais valiosas. E as redes sociais fortaleceram essa crença no isolamento e na estupidez.
As livrarias pedem socorro. Que fazer para evitar que elas sejam extintas? Vou sugerir a seguir aos livreiros e antiquários dez medidas emergenciais. Talvez eu repita o que já se faz por aí, pois algumas livrarias já fazem isso. No entanto, tais procedimentos podem ser imitados por negócios menores, como as livrarias de bairro e em cidades pequenas, e podem retardar o processo de desaparição, embora não creia que elas irão se manter por muito tempo.
Promoções – É preciso que as livrarias façam liquidações mais avassaladoras que as dos sites da internet. Isso atrairia os compradores. É o que as feiras de livro de rua fazem há séculos.
Espaços de convivência – Elas precisam parecer tanto salas VIP de aeroportos como claustros de bibliotecas antigas. Dispor de mais sofás e mesas e dar mais liberdade para as pessoas permanecerem no local. Mas também têm que destinar um espaço de silêncio e reflexão para os leitores compulsivos.
Cafés – Um café com petiscos, de preferência gratuitos, ajudam a segurar, senão atenção do leitor, pelo menos o leitor.Internet livre – Serviços potentes de W-Fi e 4G e computadores para que os jovens se divirtam com literatura e aplicativos de literatura no espaço das livrarias.
Orientação – As livrarias perderam a noção de que quem as
frequenta precisa de atendimento personalizado e especializado. Hoje a pressa converteu os atendentes de livrarias em meros balconistas mal-humorados.
Salas de vídeo, games, revistas e discos – Reservar um espaço para a oferta de produtos multimídia que enriqueçam a experiência literária. Não produtos soltos e descontextualizados.
Eventos – Ocasiões que associem a experiência da leitura, como shows, peças, recitais, encontros de fãs, palestras de escritores e leituras enriquecem o ambiente. Um pequeno auditório pode ser instalado se o espaço permitir. Livrarias funcionam bem como parques de diversões de adultos e crianças.
Curadoria – Contratar um profissional que, mais que um gerente banal, tome conta de todas as atividades culturais e educacionais do negócio e que seja ouvido pela administração.
Entrega – Prestar serviços de encomenda em domicílio na região, pela internet. e por telefone. Para isso, um bom serviço de loja virtual e uma boa presença nas redes sociais não podem faltar
Acervo visível – Não adianta oferecer todas essas atrações se a livraria não expuser em belas estantes um acervo importante e portentoso, sujeito à constante renovação. Isso sem deixar de manter os títulos disponíveis ao alcance da mão do leitor.
Hoje poucas livrarias remanescentes no Brasil adotam essas medidas e preenchem esses requisitos. Só mesmo algumas grandes cadeias, que foram as primeiras devoradoras das livrarias de esquina. Quem sabe se as pequenas livrarias e sebos não conseguem manter vivo o sonho da presença dos leitores e dos autores, cada vez mais distantes uns dos outros? Talvez eu esteja sendo ingênuo demais. Mas nada me irá substituir um passeio distraído pelas estantes de uma livraria.
Fonte: Época | Luís Antônio Giron