A Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 621/20, de autoria da deputada Daniela do Waguinho (MDB-RJ), mais uma lei que supostamente serviria para apoiar a difusão da leitura, mas que, de acordo com quem trabalha no setor e estuda o funcionamento das bibliotecas acaba por não produzir nenhum ou pouco avanço para a área.
O projeto propõe que as bibliotecas públicas ou aquelas ligadas a instituições federais – como museus, fundações e centros de memória – deverão obrigatoriamente ter e organizar acervos de literatura infantil e infantojuvenil. O texto aprovado determina ainda que as bibliotecas privadas só poderão receber apoio financeiro ou doações do poder público se tiverem estes títulos em seu acervo. De acordo com Daniela, o objetivo da proposta é desenvolver nas crianças o gosto pela leitura. “É uma estratégia para melhorarmos os níveis de aprendizagem escolar e para nos contrapormos à tendência de crescimento do analfabetismo funcional”.
Para a Dra. Marília de Abreu Martins de Paiva (CRB-6/2262), professora da Escola de Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e ex-presidenta do Conselho Regional de Biblioteconomia 6ª Região (CRB-6), o projeto mostra que os legisladores buscam colocar cerejas em bolos que não existem. “Nós temos a Lei 12.244 que fala que toda escola tem que ter uma biblioteca e esta biblioteca tem que ter, obviamente, uma equipe, tem que ter Bibliotecário, auxiliares, pode ter professores e tem que ter um orçamento para adquirir livros e um acervo de acordo com o perfil de usuários de cada espaço. Sendo assim, se implantarmos esta lei e prover essas escolas de um orçamento exclusivo para estas bibliotecas, as escolas vão ter um acervo adequado para seus alunos e professores. Então não faz sentido mais essa lei”, destacou.
Para Marília, a proposta exibe o desconhecimento por parte dos legisladores sobre o tema. “A gente fica se perguntando se são realmente projetos de lei para dar visibilidade para proponentes que não fazem ideia do que é a política pública para bibliotecas e que inclusive desconhecem as leis existentes e que precisam ser implementadas. Temos um Plano Nacional do Livro e Leitura que está parado e a grande maioria dos estados e municípios não possuem planos estaduais ou municipais. Onde existem bibliotecas, ou espaços que são chamados por esse nome, não existe sequer o orçamento para comprar acervo nenhum. Então qual o sentido desta nova lei”, avaliou.
Cleide Fernandes (CRB-6/2334), coordenadora do Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas de Minas Gerais (SEBP-MG), tem uma avaliação semelhante sobre a proposta de lei. Para a gestora, este projeto de lei não contribui de forma efetiva para a melhoria dos serviços oferecidos pelas instituições públicas. “O Poder Legislativo está deslocado da realidade. É notório e conhecido que as bibliotecas trabalham com literatura para crianças desde sempre, está na natureza deste espaço atender todas as pessoas da comunidade. Se o acervo infantil está presente, então não faz muito sentido legislar para algo que já existe. O que nós precisamos é que esses acervos sejam atualizados e este projeto de lei não fala nada sobre isso. Nós precisamos garantir o que já está na legislação, que as bibliotecas tenham recursos e que elas consigam atualizar e adquirir novos livros. Comprar livros atualmente no Brasil é muito difícil, um processo de licitação de livro é muito complicado. E essas questões é que deveriam ser observadas”, pontuou.