Oito de março é uma data criada a partir da luta contra a invisibilidade de trabalhadoras em fábricas durante a Revolução Industrial, ocorrida no século XVIII, nos Estados Unidos e em alguns países europeus. A desigualdade entre gêneros era a razão da luta, que alcançou apoio popular quando 125 mulheres morreram em um incêndio na Triangle Shirtwaist Company, no ano de 1911. Ainda há muito pelo que se pleitear e as histórias a seguir são gás para essa jornada.
Helba Aparecida Borges, bibliotecária e atleta paralímpica capixaba
O esporte faz parte da vida de Helba (CRB-6/858ES) desde 1987. Sua desenvoltura era tanta que suas habilidades davam frutos no basquete em cadeira de rodas, atletismo, lançamento de dardos e, por fim, tiro com arco. Na última modalidade, ganhou a medalha de prata no 11° Campeonato Brasileiro Paralímpico de Tiro com Arco, em 2007, e o terceiro lugar no XII Para Campeonato de Tiro com Arco, no ano de 2008.
Créditos: Arquivo Pessoal
Quando 2009 chegou, Helba focou sua mira na faculdade de Biblioteconomia. O curso a encantou em uma ida despretensiosa à feira de exposições da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), que fez a futura caloura se apressar para o vestibular. “Para se candidatar, era preciso preencher um formulário com todas as suas informações. Fiz isso, mas não vi que também tinha que pagar um valor simbólico. Quando o resultado saiu, procurei meu nome em todas as listas (sem cotas, cota racial, cota por deficiência); tinha me candidatado às vagas direcionadas a pessoas pretas, olhei, olhei, olhei aquele amontoado de nomes e não achei o meu. Já tinha me conformado, quando minha sobrinha veio me dizer que eu tinha passado e que estava no final da relação de aprovados porque não tinha enviado o valor pedido”, Helba conta entre risadas.
Com a vaga garantida, a graduanda em Biblioteconomia conheceu um novo mundo pelos corredores da UFES, onde aprendeu sobre ética e técnicas da profissão. No centro de Ciências Jurídicas e Econômicas, onde é ministrado o curso na Universidade, encontrou algo que não fazia parte da grade curricular: a empatia. “Meu período na faculdade foi extremamente agradável, o que pode ser surpreendente para alguns por eu ser uma pessoa com deficiência física. Vou dar dois exemplos: certa vez, sofri um acidente doméstico que me impediu de ir às aulas. A equipe de professores da UFES me apoiou muito, tive aulas remotas e acabei não perdendo as matérias. Além disso, quando chovia muito e era dia de apresentar trabalhos, o corpo docente alterava as datas das minhas explanações. As pessoas eram muito humanas”, comenta Helba.
Vida pós-universidade
Os quatro anos de estudos passaram tão rápido quanto os arcos que a bibliotecária atira. Em 2014, Helba se viu sem perspectivas para atuar na área em que se formou e, por isso, continuou colaborando no setor administrativo de uma empresa de ônibus, cargo que começou durante a graduação. No emprego, mergulhou nas variáveis que circundam a gestão organizacional; atitude que, sem saber, a preparava para uma grande oportunidade.
“Três anos após a minha formatura, fui chamada pela Prefeitura de Vila Velha para atuar como bibliotecária. No cargo, dei o meu melhor para formar não só leitores, mas cidadãos capazes de interpretar as subjetividades, parte das relações sociais. Tenho muita saudade de estar entre os livros e as crianças”, relembra Helba. Devido à pandemia do novo coronavírus, o contrato da bibliotecária foi cancelado em março de 2020; desde então, ela busca alento nos momentos que passou no ambiente escolar.
“Esse período me rendeu muitas histórias, mas a que mais gosto é a do carinho das crianças comigo. Como tenho uma deficiência visível em uma das pernas (Helba teve poliomielite na infância, o que acabou gerando sequelas nos membros), frequentemente recebo olhares de pena das pessoas; os alunos nunca me viram dessa forma. Eles me tinham com doçura, mesmo fora dos horários de leitura, iam até a biblioteca me visitar. Escutar um ‘Tia, você quer água? Posso buscar’, era rotina.
Karina Lúcia Pereira, bibliotecária mineira
“Amar e mudar as coisas me interessa mais”. O verso já batido da música “Alucinação”, de Belchior, se encaixa como trilha sonora da história de Karina (CRB-6/2251) com a Biblioteconomia ao passo que ela começa a contá-la. A então menina não pensava em se tornar bibliotecária, seu desejo era estudar Comunicação, até que a irmã a apresentou ao primeiro curso da então Escola de Biblioteconomia, hoje Escola de Ciência da Informação, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Créditos: Rejane Fotografias
Karina fez de tudo para alcançar seu diploma, o que ficou mais difícil quando seu pai perdeu o emprego. “Isso aconteceu quando eu estava no Ensino Médio, ele era o provedor da casa e sempre reforçou a importância dos filhos se dedicarem aos estudos. Trabalhar nem pensar. Mas com o orçamento em baixa, fui atrás de um emprego para pagar minha passagem para ir às aulas na Escola Estadual Central, em Belo Horizonte, e meu cursinho pré-vestibular”, conta Karina.
A hoje bibliotecária teve seu primeiro contato com o sistema educacional no cargo que desempenhou na secretaria de um colégio. Fez matrículas e redigiu documentos até o segundo período da faculdade, quando conseguiu o primeiro estágio. “Foi aí que me apaixonei pela profissão. Na combinação curso mais experiência na área, tive uma formação muito humana e social. Lembro que estagiei pela última vez no Centro Universitário Newton Paiva, lá era tratada como bibliotecária e, por isso, acabei aprendendo muito. Minha intenção era fazer parte do corpo de gestão da informação da instituição de ensino após a graduação, mas ela acabou sendo vendida e muitas pessoas foram demitidas”, rememora.
Karina não foi dispensada, mas três meses após a formatura passou em um processo seletivo para fazer parte da equipe do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), de Sete Lagoas, em Minas Gerais. O desafio era grande, mas a bibliotecária o encarou de frente ao gerar soluções organizacionais para empresas de grande porte; monitorar a indexação de patentes e compartilhar informações técnicas com clientes e colaboradores.
Dessa experiência, Karina destaca um momento: “Um dia, meu chefe propôs que eu coordenasse o projeto da nossa unidade na “Mostra de Tecnologia do Senai”. Várias propostas foram apresentadas no evento e a nossa saiu como vencedora!”. Apesar de se sentir realizada no trabalho, a bibliotecária via o percurso diário que fazia de Belo Horizonte a Sete Lagoas como um impedimento para se dedicar mais ao que acredita: as pessoas podem mudar a sociedade por meio da Biblioteconomia.
Karina foi ao seu gerente pedir demissão, mas ele não a aceitou porque considerava a bibliotecária parte importante da empresa. A solução foi transferi-la para o Senai de Nova Lima, cidade a uma hora de distância de Belo Horizonte, dependendo da região de partida. “No interior, as pessoas costumam ser fechadas e acho que esse foi um dos motivos pelo qual o desafio foi tão grande. O objetivo principal da equipe que fazia parte era expandir a sala de tecnologia da unidade. Com a experiência que acumulei anteriormente, dei dicas ao meu novo chefe sobre o assunto”, conta a bibliotecária.
As conversas acabaram se transformando no projeto que conquistou o primeiro lugar em um prêmio de tecnologia. A verba ganha foi utilizada para revitalizar os núcleos do Senai de Sete Lagoas, Nova Lima e Contagem. Karina estava feliz com as mudanças alcançadas, mas ainda sentia que o caminho que percorria da casa ao trabalho a impedia de se dedicar às suas tarefas com mais afinco.
Em 2008, foi chamada para trabalhar em uma empresa de mineração em Belo Horizonte. Devido à crise mundial, demitiram-na após seis meses, mas ela não ficou afastada da área por muito tempo. Um de seus ex-chefes da última organização tinha uma empresa e a contratou para prestar serviços. “Ele precisava de notas fiscais que comprovassem minha atividade e, por isso, abri meu próprio empreendimento. Com esse movimento, vi a necessidade de saber mais sobre leis e ingressei no curso de Direito. A correria era demais nessa época: ir atrás de colaborador, treiná-los, conseguir clientes. Foi um período muito gratificante, o único problema era que os clientes acabavam contratando meus colaboradores depois dos serviços; o que me fazia voltar para a correria de novo”, diz entre risadas.
Em meio a isso, Karina encontrava tempo para participar de concursos públicos. Seu maior sonho era ser aprovada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a vontade fazia a bibliotecária passar madrugadas estudando. O esforço fez com que fosse aprovada na primeira fase do processo seletivo, mas não teve forças para se dedicar à segunda etapa. “Minha sina era ficar em terceiro lugar em concursos que tinham duas vagas ou em segundo nos que só abriam uma oportunidade. Um dia, acabei participando da prova da Fundação Zoobotânica de Belo Horizonte e passei”, confidencia.
Acostumada a desafios, Karina teve que encarar mais um deles: o desconhecimento sobre a Biblioteconomia. “Pensavam que iria chegar, arrumar um livro na prateleira e pronto”. Desde sua entrada na Fundação em 2009 até os dias atuais, a bibliotecária conseguiu mostrar que a sua profissão vai além dos livros e participou projetos que movem visitantes e colaboradores. Emplacou a coordenação de projetos como contação de histórias como meio de popularizar a ciência, incentivar a leitura e falar de temas ambientais e a Semana do Conhecimento, que divulga pesquisas científicas e outras iniciativas realizadas na instituição.
O contato com a infância despertou em Karina a necessidade de aprender a se comunicar melhor com os pequenos. Esse movimento se mostra diariamente na sua relação com os dois filhos.
Em 2014, a bibliotecária foi promovida a gerente, cargo em que permaneceu por um ano e meio porque percebeu que poderia fazer mais mudanças positivas como técnica. Três anos depois, a Fundação Zoobotânica foi mesclada à Associação de Parques de Belo Horizonte, o que formou uma grande instituição. Karina conta sobre o desafio: “Havia muita documentação e alguns setores não conseguiam se comunicar porque as informações eram abundantes e estavam espalhadas. O processo de organização que implantamos foi essencial para Fundação”.
Os mais de vinte anos como profissional não tiraram o fôlego da bibliotecária que ainda vê a Biblioteconomia como “Uma forma de mudar as coisas”.
Dielle Monique G. de Moraes, bibliotecária mineira
Dielle (CRB-6/2662) encontrou a sua paixão pela leitura ainda na escola. Na instituição em que fez o Ensino Médio, costumava passar horas do dia virando páginas, ao ponto de os coordenadores da biblioteca selecionarem livros, que sabiam que ela gostaria, para colocar nas estantes. A Biblioteconomia era uma incógnita para a então adolescente, até que uma professora a explicou sobre a área profissional misteriosa.
Créditos: Arquivo Pessoal
“Nessa época, fazia o Ensino Médio em uma escola estadual e fazia parte do curso técnico em Turismo, do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG). Estava pensando em seguir no campo, mas acabei prestando vestibular para Biblioteconomia em 2001. Não passei, tentei novamente um ano depois e fui aprovada”, conta Dielle.
Em 2003, Dielle começa seu caminho como estudante na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Os quatro anos não foram fáceis, já que a bibliotecária tinha aulas à tarde, participava de projetos de extensão de manhã e fazia estágios – como o Carro-Biblioteca e a experiência no Instituto Ayrton Senna -, e trabalhava no turno da noite em uma empresa de call center. “Houve alguns momentos que pensei que não iria conseguir formar, mas as aulas me deram fôlego para alcançar meu diploma”, Dielle relembra.
Após a formatura em 2007, a saudade do campus foi grande, mas a vontade de colocar em prática tudo que aprendeu fez a bibliotecária se lançar em oportunidades em cidades diversas. Primeiro, fez parte do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Lá, foi responsável pela organização da biblioteca do empreendimento, com foco no setor administrativo. Um ano se passou e, com ele veio o desemprego, Dielle não se abateu e logo foi chamada para assumir a coordenação da biblioteca da Universidade Presidente Antônio Carlos (UNIPAC), em Araguari, Minas Gerais. “Mudei-me de Belo Horizonte e passei seis anos morando na cidade. A experiência foi super gratificante, aprendi e ensinei muito”, comenta a bibliotecária.
Mudanças nunca foram um problema para Dielle, por isso, ela não pensou duas vezes quando foi convocada para trabalhar na Secretaria de Cultura da Prefeitura de Uberlândia, lotada na biblioteca pública da cidade, a qual está inserida dentro do Centro Municipal de Cultura. Em um dos municípios mais quentes de Minas Gerais, a bibliotecária tem incentivado as crianças a amarem os livros, coisa que mudou a sua vida ainda na adolescência.
Mulher negra e mãe de um casal de filhos, a bibliotecária define a sua relação com a Biblioteconomia em três palavras: paixão, perseverança e relevância.
Kátia Lúcia Pacheco, bibliotecária mineira, que de assistente administrativa se tornou diretora do Sistema de Bibliotecas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
“Amor, amor, amor!”. O sentimento repetido por três vezes com entusiasmo crescente é a maneira que Kátia (CRB-6/1709) encontra para definir a sua relação com a Biblioteconomia. Quem vê tal declaração atualmente, não imagina que a bibliotecária pensava em trocar de curso quando começou a graduação na instituição de ensino que trabalha desde o início da carreira.
Créditos: Arquivo Pessoal
“Nos anos 80, era fácil entrar na UFMG em um curso menos concorrido e depois mudar para a graduação que realmente queria fazer. Prestei vestibular para Biblioteconomia certa de que faria o mesmo caminho que tantos outros colegas, mas acabei me apaixonando pela área. Cheguei a pegar o formulário de alteração, mas o rasguei. Acredita?”, Kátia conta entusiasmada.
Os primeiros quatro anos em que esteve no campus renderam à bibliotecária a descoberta de uma outra paixão: a linguagem musical. “Trabalhei na Escola de Música da UFMG como assistente administrativa durante o curso e, dez anos após minha formatura, em 1999, participei de um concurso público e fui chamada para atuar como bibliotecária no mesmo prédio”, relembra Kátia. A primeira experiência na área foi o que a fez se registrar no Conselho Regional de Biblioteconomia 6ª Região Minas Gerais e Espírito Santo (CRB-6), desde então é figurinha carimbada em movimentos de defesa dos direitos dos bibliotecários.
“Ainda na graduação, já me interessava pelos movimentos estudantis. No CRB-6, pude me aproximar mais da minha profissão e participar ativamente de muitas mudanças, já que fui Presidente, Vice-presidente e Coordenadora da Comissão de Fiscalização do Conselho, nos anos 2000. Essas experiências foram muito enriquecedoras”, diz Kátia. A bibliotecária também atuou como Coordenadora da Comissão de Tomada de Contas (2013-2015) e Diretora Administrativa (2016-2018), do Conselho Federal de Biblioteconomia (CFB).
Voltando ao campus da Avenida Presidente Antônio Carlos, 6627, na Pampulha, em Belo Horizonte, Kátia continuou trabalhando e estudando para alcançar seus objetivos na profissão. O esforço rendeu a ela o título de doutora pela UFMG, em 2016. Seu trabalho de doutorado rendeu a ela o prêmio de melhor tese defendida na área de Ciência da Informação no Brasil, em 2017, concedido pela Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação (ANCIB).
No mesmo ano, Kátia venceu a consulta que elegeu a nova diretora do Sistema de Bibliotecas da UFMG, cargo que ocupa até hoje.
“Acho que cheguei ao máximo da carreira na UFMG. Estou prestes a aposentar, mas não pretendo parar de trabalhar, quero continuar atuando na carreira. Sinto-me realizada com a profissão”, afirma Kátia.
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