Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL) 3.887/2020, que propõe a taxação de obras literárias ou não. A proposta, que integra a Reforma Tributária, se aprovada, terá como consequência o aumento no preço dos livros e, consequentemente, a restrição das obras às classes mais abastadas. Frente a isso, o Conselho Federal de Biblioteconomia (CFB) e o Conselho Regional de Biblioteconomia 6ª Região Minas Gerais e Espírito Santo (CRB-6) têm agido para travar a PL.
O presidente do CFB, Marcos Miranda (CRB-7/4166), participou de audiência pública promovida pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados para discutir o assunto. O encontro ocorreu em 26 de abril motivado, sobretudo, pelo argumento da Receita Federal de que apenas “rico lê”. Também foram abordados temas como a alfabetização, o valor simbólico do livro e as possibilidades que podem ser eliminadas se o PL passar.
Além de Miranda, participaram da audiência pública um representante do Ministério da Educação, o subsecretário de Tributação e Contencioso da Receita Federal, Sandro de Vargas Serpa; a coorganizadora da petição “Defenda o livro: diga não à tributação de livros”, Julia Marina Bortolani Martins; a diretora-executiva da plataforma Change.org, Monica Adriano de Souza; o presidente do Sindicato Nacional Editores de Livros (SNEL), Marcos da Veiga Pereira; e a representante da Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias, Viviane Henrique Peixoto.
Leitores e editores criticam taxação sobre livros em Reforma
A Constituição de 1946 estabeleceu que os livros, literários ou não, deveriam ser livres de impostos para popularização da leitura. O entendimento permaneceu na Carta Cidadã de 1988 sem ser questionado. No entanto, em 2020 essa realidade mudou, causando indignação em quem considera a leitura como caminho para o conhecimento.
Na audiência pública do dia 26 de abril, a coorganizadora da petição “Defenda o livro: diga não à tributação de livros”, Julia Marina Bortolani Martins, rechaçou o PL 3887/2020 argumentando que, ao contrário do que dizem os apoiadores da proposta, ela não afetaria o bolso dos mais ricos, e sim das pessoas de baixa-renda, que já enfrentam dificuldades para adquirir livros. A fala foi corroborada pelo presidente do SNEL, que rebateu a informação compartilhada pela equipe econômica do Governo Federal de que a isenção de impostos não trouxe resultados significativos ao mercado editorial.
A deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS) fez coro aos opositores do projeto de lei. “Famílias com renda inferior a dez salários mínimos respondem por 50% do consumo de livros não-didáticos e cerca de 70% dos didáticos”, afirmou.
Presidente do CRB-6 publica artigo no Estado de Minas sobre taxação de livros
Atento ao assunto, Álamo Chaves (CRB-6/2790) tem agido para chamar a atenção de bibliotecários e da população em geral sobre a gravidade da PL 3.887/2020. No mesmo dia em que Miranda foi à Câmara dos Deputados, o texto “A Receita Federal e o ‘jeitinho brasileiro’” foi publicado no mais tradicional jornal de Minas Gerais, o Estado de Minas.
Leia o artigo na íntegra.
A Receita Federal e o “jeitinho brasileiro”
Por Álamo Chaves
O “jeitinho brasileiro” é uma das piores particularidades da cultura brasileira, considerando o conceito sociológico de cultura. Embora criativas, as soluções encontradas pelos brasileiros para burlar leis e normas refletem a identidade corrompida de um país que se valeu de explorações diversas até se firmar como nação. Ainda que sejam práticas corruptas do cotidiano, é no cenário político que elas apresentam maior visibilidade e repercussão. A mais recente, por exemplo, ocorreu na Receita Federal. Em relatório divulgado na primeira semana de abril, o órgão defendeu o aumento das tributações sobre livros argumentando que pessoas pobres não leem.
Desde meados do ano passado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, quer acabar com o benefício que reduz o custo na produção de livros e arrecadar, ao menos, 12% da receita bruta das editoras. Entretanto, a Constituição Federal veda aos órgãos federativos instituir impostos sobre “livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão”. Ou seja, a medida pode ser considerada inconstitucional. Para mais, um dispositivo de lei de 2014 concedeu isenção de Pis e Cofins sobre a receita na venda de livros e no papel usado em sua confecção.
Guedes segue na contramão da carta magna para defender seu projeto de reforma tributária em que as editoras não serão mais isentas de pagar Pis e Cofins, passando a “colaborar” com a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços). Em consonância com o titular da Economia, a Receita Federal publicou o recente relatório com perguntas e respostas sobre a CBS para explicar o motivo do novo tributo ser cobrado na venda de livros.
O documento lança mão de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para sustentar a tese que pessoas pobres não leem e, por isso, o governo deveria aumentar a tributação. “De acordo com dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2019, as famílias com renda de até dois salários mínimos não consomem livros não-didáticos e a maior parte desses livros é consumida pelas famílias com renda superior a dez salários mínimos”, informa o documento. O relatório acrescenta que “dada a escassez dos recursos públicos, a tributação dos livros permitirá que o dinheiro arrecadado possa ser objeto de políticas focadas, assim como é o caso dos medicamentos, da saúde e da educação no âmbito da CBS”.
A falta de consumo de livros por grande parte dos brasileiros, que deveria ser vista pelo poder público como um grande problema, foi considerada solução para outro entrave: a crise econômica. E, nesse contexto, o governo demonstra que o “jeitinho brasileiro” já se tornou uma prática institucionalizada dentro da máquina pública.
Como pode um país mergulhado numa crise sanitária, financeira e social facilitar a compra e o porte de armas e dificultar ainda mais o acesso aos livros para a camada mais pobre da população? A luta contra essa realidade pode parecer mera batalha utópica, mas é necessária para levantar a voz em denúncias contra as práticas disparatadas, que, lamentavelmente, parecem estar longe de acabar.