Há nomes que ecoam na alma de um povo. Nomes que não apenas escrevem versos, mas moldam a forma como pensamos e enxergamos a vida. Adélia Prado é um desses nomes. Considerada a maior poetisa brasileira viva, em 2025, aos 89 anos, recebeu o Prêmio Camões, a mais alta distinção literária da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), tornando-se a terceira mulher brasileira a conquistar essa honraria. A cerimônia aconteceu no Palácio do Itamaraty, em Brasília, com a presença dos presidentes do Brasil e de Portugal. Representada por seu filho, Eugênio Prado, a escritora mineira celebrou a poesia como um reflexo da língua portuguesa, esse “tesouro inestimável” que preserva a memória de um povo.
O júri destacou a originalidade de sua obra, que atravessa décadas com uma poesia profundamente humana. “Adélia Prado é autora de uma obra muito original, que se estende ao longo de décadas, com destaque para a produção poética. Herdeira de Carlos Drummond de Andrade, o autor que a deu a conhecer e que sobre ela escreveu as palavras conhecidas ‘Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo…’, Adélia Prado é há longos anos uma voz inconfundível na literatura de língua portuguesa”.
Uma vida entre versos
Nascida em 1935, em Divinópolis, Minas Gerais, Adélia iniciou sua trajetória marcada pelo lirismo e pela reflexão filosófica. Sua poesia transforma o cotidiano em matéria-prima para questionamentos profundos sobre a vida, os afetos e a espiritualidade. Com o apoio de Carlos Drummond de Andrade, estreou na literatura em 1976 com a publicação de Bagagem.
Em seus versos, Adélia vê beleza onde poucas olhariam duas vezes. No poema Janela, por exemplo, um simples objeto cotidiano se torna símbolo da transitoriedade da vida e do olhar introspectivo. Seu estilo mistura o divino e o terreno, revelando uma poesia que se move entre a fé e o corpo, entre a casa e o infinito.
A ideia da janela também traduz sua própria visão de mundo: “claraboia na minha alma, olho no meu coração”. Em sua obra, ela não observa a vida de fora, como quem apenas testemunha, mas de dentro, com o coração exposto, aberto ao espanto e à ternura. Sua poesia não é um refúgio – é um convite para sentir, pensar e, acima de tudo, se considerar humano.
O legado de Adélia não se mede por prêmios ou homenagens, mas pela maneira como suas palavras tocam aqueles que as encontram – na sensibilidade com que nos ensina a enxergar o mundo, no espanto diante do ordinário, na poesia que transforma a vida em matéria sagrada. Sua poesia não se impõe – ela se derrama, como uma conversa ao pé da janela, como um silêncio que nos atravessa e nos ensina, sem pressa, a ver o mundo com mais ternura. O reconhecimento é merecido, mas, para quem acompanha sua obra, não surpreende: Adélia sempre foi um prêmio para a literatura brasileira.