Quais seus impactos no campo da Ciência da Informação?
A Ciência da Informação (CI) como campo do conhecimento institucionalmente gestado em meados do século XX se constitui a partir de dois fenômenos básicos: 1) reprodução/apropriação acrítica de teorias de outras áreas e 2) adaptação de teorias de outras áreas, como ocorre no âmbito da Epistemologia (influências da Filosofia, Sociologia, Psicologia, Educação), Tecnologias de informação (influências da Computação e outras áreas tecnológicas), Gestão/Política/Economia de informação (Administração e Economia) aplicada, em particular, as ações das bibliotecas e, em geral, aos meandros da informação.
No primeiro caso, há uma preocupação central de fazer da CI mero objeto para aplicação de fundamentos teóricos e pragmáticos ou simplesmente de inserir terminologias a esmo, sem se valer de uma reflexão crítica. No segundo caso, há uma perspectiva mais efetiva de diálogo entre CI e outras áreas do conhecimento primando por um processo crítico de apropriação de conhecimento e/ou por diálogos de reciprocidade entre a CI e outras áreas do conhecimento.
Enfatizando o primeiro caso, observo que há uma necessidade em muitos pesquisadores (e pesquisas) em naturalizar terminologias, visando fundamentar a cientificidade da CI. Essa “naturalidade terminológica” não somente não abre perspectivas para fundamentação teórico-epistemológica e pragmática quanto acomoda processos de criação na área. Em especial, destaco duas terminologias comumente importadas acriticamente e que viraram modismos na CI: paradigma e interdisciplinaridade.
Com relação ao conceito de paradigma, desde as obras escritas por Thomas Kuhn intituladas “A Era das revoluções científicas (1962)” que passou por várias revisões com o objetivo de elucidar alguns aspectos polêmicos quanto à compreensão, mas sem perder o ethos conteudístico do pensamento kuhniano e “A tensão essencial (1977)” o conceito de paradigma se propagou largamente pelas correntes epistemológicas das diversas áreas do conhecimento.
Na CI, o conceito de paradigma foi desenvolvido para validar cientificamente questões da área, em especial, calcadas na formação dos paradigmas físico, cognitivo e social (ou sócio-cognitivo), de estudo de usuários e outros assuntos.
No entanto, atentando para um dos principais sentidos de paradigma em Kuhn como “realizações científicas reconhecidas em caráter global que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções para uma comunidade científica”, entendo que o paradigma foi apropriado viciosamente na CI, de modo que é visto na área como princípio norteador da atividade científica quando, em verdade, o paradigma é resultado de um conjunto de ações e teorias reconhecidas entre uma comunidade científica internacional.
De outro modo, o paradigma na CI se estabelece como uma espécie de “molde epistemológico” (a CI impõe o paradigma como fundamento de configuração científica inibindo a necessidade de um pensamento crítico-criativo, isto é, a formulação de fundamentos inovadores universalmente reconhecidos pelos praticantes da área).
Quanto à interdisciplinaridade, considero que foi outro conceito apropriado acriticamente na CI e postulado como característica natural fundante da área. Discordo dessa afirmação em virtude de que a interdisciplinaridade não é uma ciência, fundamento teórico ou categoria de conhecimento, mas fundamento pragmático ou categoria de ação.
Entendendo a interdisciplinaridade como ação recíproca ou de integração entre áreas do conhecimento. Nenhum campo científico pode ser naturalmente considerado interdisciplinar se não for efetivado na prática. Logo, a interdisciplinaridade comumente não é questão de cunho global, mas local que depende das relações entre pesquisadores de determinadas áreas, em determinados espaços/instituições e em determinados tempos históricos.
Isso significa que a interdisciplinaridade na CI não é um fenômeno pré-determinado, imutável e arbitrário, mas construído pragmática e humanisticamente (é preciso a disposição de dois ou mais pesquisadores/grupos que partilhem de objetivos em comum e que respeitem suas diferenças em prol desses objetivos), promove transformações entre pesquisadores e/ou áreas do conhecimento envolvidas e é concebida dialogicamente (demanda diálogos horizontais).
Mas a pergunta que não quer calar é: por quais motivos os termos paradigma e interdisciplinaridade são postulados na CI em caráter de modismo? Elenco alguns motivos que justificam essa conotação:
1) os termos paradigma e interdisciplinaridade (assim como seus complementos pluridisciplinaridade e transdisciplinaridade) se estabeleceram maciçamente no início da década de 1960, precisamente equivalente ao período do advento da CI enquanto campo do conhecimento científico institucionalizado (1962);
2) o termo paradigma foi pertinente para fundamentação teórico-epistemológica de muitas áreas do conhecimento, especialmente aquelas oriundas no século XX, incluindo a CI, enquanto o termo interdisciplinaridade favorece uma “cartilha de conduta pragmática” dos pesquisadores da CI que possibilita o diálogo (direto ou indireto) com outras áreas confirmando o modismo como a terminologia interdisciplinaridade é apropriada na CI.
Nos dois sentidos assinalados, o objetivo principal é amadurecer o viés epistemológico da CI, mas, em síntese, nenhum deles favorece esse amadurecimento. Ao contrário. Prendem a área a procedimentos “chavões”, sem uma perspectiva mais expressiva de fundamentação crítica e criativa.
Enfim, para um entendimento mais amplo acerca dos termos paradigma e interdisciplinaridade aplicados a CI, partilho links de alguns artigos, visando despertar percepções crítico-analíticas sobre a temática do texto, uma vez que esta é muito ampla para ser encerrada por aqui:
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Fonte: Revista Biblioo | Jonathas Carvalho