*Artigo publicado originalmente na revista Forbes sob o título
“Computer Science Could Learn A Lot From Library And Information Science”.
Autor: Kalev Hannes Leetaru | Tradução: Chico de Paula
Os currículos de ciência da computação enfatizam o poder dos dados, incentivando a coleta e acumulação, abrindo caminho para novas formas de mineração e manipulação de usuários, reforçando-o como alternativa para a riqueza na economia moderna e proselitizando a ideia que os dados podem resolver todos os problemas dos males sociais.
Por outro lado, os currículos de Bibliotecas e ciências da informação enfatizam historicamente a privacidade, as liberdades civis e o impacto na comunidade, combinando a discussão do gerenciamento de dados públicos com a minimização dos privados. Os futuros líderes de tecnologia poderão aprender muito com seus colegas de Biblioteca.
Como jovem estudante de ciência da computação no que era o programa de ciência da computação no 4º lugar no país (hoje nº 5), meus cursos foram preenchidos com todo tipo de prática e teoria sobre como adquirir, gerenciar e explorar os maiores conjuntos de dados do mundo.
O foco estava na capacidade do que “poderia” ser feito com dados e não do que “deveria” ser feito com eles. A ideia de que uma conquista técnica deveria ser evitada, porque poderia prejudicar a sociedade, nunca foi levantada. A ideia que os dados deveriam ser minimizados para proteger a privacidade nem sequer era um conceito. O design de sistemas seguros enfatizou como proteger os dados contra acesso não autorizado, mas nunca o conceito sobre como proteger os usuários, cujos dados estavam danificados.
Nunca foi apresentado o conceito de um Conselho de Revisão Institucional ou o conceito de avaliar o dano social da pesquisa, mesmo quando os conselhos de revisão de segurança e arquitetura eram um tópico de discussão regular.
Por outro lado, como um estudante de doutorado no programa de Biblioteconomia e Ciência da Informação (LIS) da universidade, a poucos quarteirões de distância, era como entrar em um mundo totalmente novo.
O conceito de dano social foi trazido à tona no primeiro semestre, enfatizando a ideia de evitar pesquisas promissoras que poderiam causar danos significativos a comunidades vulneráveis. A ideia de revisão de pesquisa pelo IRB e a noção de que até mesmo dados público para download, como mídias sociais, os conjuntos de dados ainda exigiam uma consideração completa dos riscos e uma revisão ética completa.
Os algoritmos não eram mais pilhas de código, sendo uma compilação de suposições, prioridades, visões de mundo e preconceitos humanos que guiavam a criação desse algoritmo em particular e não um muito semelhante, mesmo que o próprio código fosse produzido por meio de aprendizado de máquina. De fato, esses são conceitos ainda ausentes da ciência da computação atualmente, em que os modelos são descritos como substitutos “imparciais” para programadores tendenciosos.
A segurança dos dados não era mais a “cibersegurança” centrada na tecnologia, mas a “privacidade” centrada no usuário para salvaguardar os dados, significava proteger o usuário contra danos e não apenas bloquear um servidor. Mesmo além dos conceitos de privacidade e dados, existe um vasto mundo em que os programas LIS podem ensinar aos cientistas da computação como pensar em seus usuários.
Uma compreensão mais profunda do comportamento das informações pode ajudar as plataformas a projetarem sistemas mais resistentes à propagação de falsidades digitais e evitar armadilhas comuns.
Uma compreensão de como as sociedades geraram, gerenciaram, consumiram e utilizaram informações ao longo da história e, especialmente, as maneiras pelas quais as sociedades em todo o mundo diferiram em suas abordagens, podem oferecer uma orientação poderosa na configuração dos sistemas de informação atuais. No lugar da visão centrada no ocidente sobre o gerenciamento de informações, a interação entre informação e sociedade em outras partes do mundo oferece diversas lições sobre como combater a disseminação de falsidades digitais, influência estrangeira e manipulação intencional indutora de violência atualmente.
A teoria da catalogação pode ajudar os pesquisadores atuais de IA [inteligência artificial] a contemplarem como construir seus classificadores taxonômicos, enquanto os abstratores e Bibliotecários de referência podem transmitir sua imensa sabedoria e experiência nos assistentes digitais de amanhã, alto-falantes inteligentes e sistemas de perguntas e respostas.
No entanto, os currículos do LIS são muito mais que gerenciar arquivos de artefatos físicos e assinaturas eletrônicas. Há muito tempo, o envolvimento da comunidade é uma grande ênfase, com disciplinas como “informática comunitária” enfatizando como as tecnologias da informação e comunicação podem capacitar e fortalecer as comunidades.
Em um mundo digital, em que “valor” é tipicamente definido por “interesse do anunciante”, as principais plataformas da Internet podem aprender muito com um pensamento mais amplo sobre como suas ferramentas capacitam ou reprimem a comunidade e as mudanças significativas que podem fazer para apoiar melhor as comunidades vulneráveis.
De fato, grande parte do dano causado pelas plataformas sociais nas comunidades vulneráveis do mundo, suas contribuições à violência étnica, genocídio, crimes de ódio e outros horrores poderiam ter sido consideravelmente mitigados, se as empresas, desde o início, tivessem abordado seus projetos de mentalidades centrados na comunidade, em vez de construir um sistema à sua própria imagem e responder a cada dano com as palavras de hoje “opa o nosso erro, mas ninguém poderia ter previsto isso” como respostas.
No que seria impensável durante minha própria gestão, os candidatos a emprego LIS, atraídos pela ciência da computação, estão cada vez mais descartando a privacidade, os danos sociais, a revisão ética e o envolvimento da comunidade em favor do entendimento orientado a dados a todo custo.
Infelizmente, na medida em que as escolas de Biblioteconomia e Ciência da informação ingressam nas iSchools e contratam vagas de cientistas da computação, as tradições acadêmicas do foco humano centrado na comunidade do LIS estão dando lugar ao foco técnico da ciência da computação orientado por dados.
No fim, há muito que os cientistas da computação podem aprender com a comunidade de Bibliotecas e ciências da informação. Se eles se apressarem, poderão aprender um pouco disso, antes que tudo dê lugar à onda baseada em dados que atravessam a academia.
Fonte: Biblioo cultura informacional