Iniciativas são fortes em países como Estados Unidos e Reino Unido. Por aqui, ainda estamos longe da digitalização
Logo ao entrar na Biblioteca Pública de Nova York, em Nova York, os leitores encontram a frase: “A biblioteca é esperança, é conhecimento, e é poder”. Depois da recepção, podem andar pelos corredores ou ir logo ao catálogo procurar o que lhes interessa. Com o número da carteirinha de sócio, podem retirar até 12 títulos de uma vez, a qualquer hora dia, sete dias por semana. E, então, decidir se vão ler a obra no smartphone, e-reader, tablet ou no computador, além de escolher o tamanho da letra e fazer grifos usando apenas o dedo. É assim o caminho feito pelos usuários do acervo digital da instituição, acessado de qualquer dispositivo digital, pela internet. Os leitores não precisam mais ir fisicamente à entidade para pegar livros emprestados. Mas a biblioteca centenária vê sua força revigorada com a popularização dos e-books. Aumentou o número de visitantes físicos aos seus prédios depois que foram abertas as portas às estantes virtuais da instituição.
Com seus 34 mil títulos (quase 95 mil exemplares), o acervo digital ainda é muito pequeno comparado com a coleção em papel da Biblioteca Pública de Nova York, que tem quase 6 milhões de exemplares para empréstimo. Mas a demanda pelos livros digitais cresce rapidamente. “Nos últimos cinco anos, a oferta cresceu oito vezes. Todos os dias, há mais pessoas adotando a leitura eletrônica como um estilo de vida e indo à biblioteca em busca desse novo formato. São os leitores que pedem a ampliação do acervo digital”, diz Christopher Platt, diretor de coleções e operações de circulação da instituição.
Usuários de todas as idades têm interesse por esses livros, e eles são especialmente atraentes para os idosos, por permitirem ajustes no tamanho do texto. A equipe da biblioteca oferece até cursos presenciais para ensinar a usar o e-reader e instalar o software de empréstimos.
Assim como mais de 22 mil bibliotecas em diversas partes do mundo, tanto públicas quanto de escolas e universidades, a de Nova York usa um sistema chamado OverDrive, que armazena e-books em uma nuvem e oferece empréstimos por tempo limitado, variável conforme o título. Muitos deles têm filas de espera. Por isso, nenhum pode ser renovado, mas pode ser “retirado” novamente se não houver reserva.
O modelo atrai o interesse até de quem vive longe dos Estados Unidos ou do Reino Unido, dois países com grande quantidade de acervos digitais, e surge a pergunta: por que liberar o acesso apenas aos moradores de uma determinada cidade ou bairro? Por que não permitir, por exemplo, que um brasileiro possa emprestar um e-book no Texas? As instituições dizem que o impedimento é econômico, já que são os impostos locais que ajudam a sustentar as iniciativas.
Mas há iniciativas que visam a universalizar o acesso ao conhecimento – uma das características da era da internet. Em 1996, o ativista Brewster Kahle criou o chamado Internet Archive, um dos primeiros arquivos digitais gratuitos na web. Em sua descrição, o site deixa clara a posição sobre o tema: “As bibliotecas existem para preservar os artefatos culturais da sociedade e oferecer acesso a eles. Se as bibliotecas vão continuar a promover a educação nesta era da tecnologia digital, é essencial que elas estendam essas funções para o mundo digital”. Outra iniciativa, mais recente, é a da Biblioteca Pública Digital Americana, que deve ser inaugurada em abril, conforme mencionado na reportagem de ÉPOCA A prova do livro digital. O site oferecerá, gratuitamente, o acervo em domínio público de diversas bibliotecas acadêmicas dos Estados Unidos, sob a coordenação de um departamento da Universidade de Harvard.
Além do desafio de ampliar o acesso a e-books, as bibliotecas digitais sofrem para aumentar a quantidade de títulos e exemplares. Algumas editoras elevam os preços e limitam o número de vezes ou o período de tempo que cada um pode ser emprestado, porque ele não se deteriora com o tempo, como ocorre com o papel. Os contratos, então, obrigam bibliotecas a adquirir novas licenças com o passar do tempo.
Nem todas as editoras permitem empréstimos do novo formato. Acabam vendendo os títulos apenas para livrarias. No entanto, o diretor de marketing da OverDrive, David Burleigh, afirma que há sinais de mudança. Há poucas semanas, uma das maiores editoras americanas, a Macmillan, aceitou liberar e-books para bibliotecas. “Com certeza isso ajuda a popularizar o formato e aos poucos as editoras vão percebendo as vantagens da estratégia”, diz Burleigh.
Enquanto outros países discutem ampliação de acervos e do acesso, no Brasil mal há planos de investimentos na área digital e as bibliotecas lutam para manutenção dos espaços físicos. “O cenário realmente não é estimulante. Ainda faltam materiais impressos”, afirma Dulce Baptista, coordenadora do curso de Biblioteconomia da Universidade de Brasília. Mas ela é otimista e avalia que nos próximos anos o país terá políticas públicas na área que invistam em novas tecnologias. “A demanda da população fará com que isso ocorra.”
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No país, quem começou a trilhar o inevitável caminho para a digitalização são as universidades. A expectativa é que esses laboratórios sirvam de referência e ajudem a promover a renovação das nossas bibliotecas públicas – antes que elas virem depósitos de livros empoeirados. A experiência da Biblioteca de Nova York mostrou que a tecnologia pode levar os livros para as nuvens e trazer os leitores de volta, no mundo real.
Fonte: Época | Amanda Polato