– A literatura brasileira contemporânea é uma imensa montanha de cocô. Não produz nada que chegue aos calcanhares da potência de Machado, Rosa ou Clarice.
– Pra que ir tão longe? Vamos combinar que também não chega aos pés de Raduan ou do Rubem Fonseca dos bons tempos.
– Exato. A literatura virou um espetáculo cheio de som e fúria, mas sem sentido. A tal vida literária tem mais importância do que a arte literária propriamente dita (e impropriamente exercida). Esse circo de festivais, feiras, prêmios, traduções, viagens, oficinas, blogs, networking e o diabo cria uma ilusão de movimento e um verniz de profissionalismo, entre aspas, que encobrem a irrelevância fundamental do ofício.
– Eu diria mais: que mascaram um tédio de cemitério. Por que será assim?
– Porque tudo já foi dito, ora. Como esperar algo revolucionário ou pelo menos renovador num cenário em que os escritores são robôs teleguiados pelo mercado, aprendem meia dúzia de truques, dominam uma técnica mas não comovem ninguém, não arriscam o pescoço, não incomodam, não acessam o novo? Não têm, em suma, nada a dizer? Não admira que o público ignore esses farsantes.
– É o que eu sempre digo. A literatura brasileira contemporânea é pouco lida? Não, a literatura brasileira contemporânea é lida até demais, considerando-se sua ruindade.
– Sabe uma coisa que eu não entendo? Por que esse pessoal não para de escrever e vai fazer algo útil da vida. Por que insistem esses escritores (e todo dia surge mais um lote, meu Deus!) em ignorar meu juízo magnífico, como se eu mesmo fosse tão irrelevante quanto eles.
– E o meu também, o meu também! Ignoram completamente.
– Como isso me irrita, viu? Será que os caras esperam que eu e meus colegas, quer dizer, os dois ou três que não são bestas quadradas… hum, isso inclui você, tá?
– Obrigado.
– Será que esperam realmente que eu me dedique a ler as pilhas de livros que eles produzem, ou antes que se reproduzem feito células cancerosas em plena metástase, para buscar nesse megatumor chamado literatura brasileira as improváveis células sadias que poderiam apontar um futuro menos apocalíptico para as letras pátrias? Hahahaha!
– Hehehe. Só rindo mesmo da pretensão dos coitados. Mas essa frase aí ficou danada de bonita.
– Tomar cada livro em seus próprios termos, dizem. Eu não preciso ler nada, imbecis! Não é que eu não precise ler sem preconceitos, com olhos livres, como recomendava aquele bom samaritano do John Updike. Não é que eu não precise compreender o que cada um está dizendo em sua exasperante especificidade, cada um com suas qualidades e limitações peculiares, para só depois, evitando generalizações grosseiras e sempre provisoriamente, arriscar algumas conclusões sobre um momento de efervescência ímpar na história da literatura brasileira. Não! Tenho pena dos nossos colegas, cada vez mais numerosos, que caem nessa esparrela. Eu não caio: não preciso ler, ponto!
– Apoiado. Não precisamos ler.
– Não preciso ler pra saber o que vocês estão fazendo, seus idiotas: estão sendo previsivelmente idiotas. E ainda por cima ignorando a minha crítica.
– E a minha, e a minha!
– Sou eu que amo de verdade a Literatura, eu que me casei com essa dama ilustre (e agora estou viúvo, que dor), enquanto vocês não passam de cafetões de uma prostituta vagamente parecida com minha amada inesquecível, entenderam?
– Eu também me casei!
– Como? O que você está dizendo, cara?
– Hã, que concordo com você, ué. Estamos juntos nessa revolta.
– Juntos, um cazzo! Quem se casou com a Literatura fui eu, paspalhão. Recolha-se à sua irrelevância, seu resenhista patético de três parágrafos!
Fonte: Veja | Sérgio Rodrigues