Na Escola Estadual João Rezende, embaixo de uma grande Sibipiruna e ao lado da biblioteca da escola que leva o nome dela, a escritora uberlandense Martha de Freitas Azevedo Pannunzio aguardava a equipe do CORREIO de Uberlândia para um bate-papo que rendeu mais de uma hora de prosa e muitas histórias. Algo familiar e prazeroso para quem assina obras literárias renomadas nacionalmente.
Aos 76 anos, a educadora, professora, escritora e contadora de história, como dona Martha mesmo se descreve, é mãe de cinco filhos, avó de 14 netos e bisavó de uma menina linda, como ponderou. Na bagagem, traz um legado rico em literatura, educação e uma experiência de quem acompanhou e vivenciou momentos históricos como a Segunda Guerra Mundial e o Golpe de 64.
Ativa na vida política, Martha se elegeu vereadora em Uberlândia duas vezes. Na fazenda, herdada dos pais, onde resolveu morar há mais de 20 anos após ficar viúva, a escritora leva uma vida simples e conta com a ajuda de um dos filhos para administrar a propriedade e poucos funcionários para desempenhar outras funções. É no campo que a escritora que dorme pouco e escreve muito se organiza para cultivar as plantações, a horta, as galinhas, principalmente as de pescoço pelado – pelas quais tem um carinho especial – e o pomar.
Além disso, responde a todos os leitores da lotada caixa de e-mail e cuida com afinco de uma de suas paixões: o Cerrado brasileiro. É dele que veio a inspiração para a criação de um dos trabalhos que mais se orgulha: o “Cerrado e Letras”. A iniciativa faz parte do projeto “Bicho do Mato”, nome de um de seus livros centrado na vida rural.
Em meio às histórias contadas, a escritora se mostrou um pouco desapontada com o atual cenário da política brasileira, motivo que deverá levá-la a morar fora do país em breve. O destino escolhido: Uruguai. Mas, antes da mudança radical, a escritora adiantou à reportagem alguns projetos.
Como estão os preparativos para o projeto de contação de histórias em maio?
Essa é a menina dos nossos olhos. A diretora da Biblioteca Pública Municipal Juscelino Kubitschek, Denise Carvalho, é quem coordena esse trabalho. Temos um grupo de voluntários, de qualquer idade ou formação. Se a pessoa tem aptidão de contar histórias e se prontifica a fazer uma recreação, seja com crianças, idosos ou doentes, nós reunimos uma vez por mês, a biblioteca cede o espaço e, uma vez por ano, realizamos essa ação, que está na 5ª edição. Recebemos crianças do 1°, 2° e 3° ano do ensino fundamental, no Espaço Mundo da Criança. São vários contadores que vão se estabelecer no espaço e estimamos que neste ano receberemos duas mil crianças durante todo o dia. É um piquenique campestre. Neste ano, teremos a banda do 36° Batalhão e a banda Municipal para coroar o evento.
E o projeto Bicho do Mato?
O “Bicho do Mato” tenho desde 2000 e, ao longo desses anos, recebi na minha fazenda mais de 14 mil estudantes com o trabalho “Cerrado e Letras”. Em cada visita, nós recebemos 100 alunos do Ensino Fundamental ou Médio. É um projeto lindo e aberto a qualquer escola. Recebemos alunos de Uberlândia e da região. É um dia todo de campo pelo Cerrado com as crianças.
Recentemente, a senhora teve um pedido de revisão por uma editora do seu livro “Três capetinhas”. O que aconteceu?
Recebi uma carta da editora que estava fazendo a 30ª edição do livro “Três Capetinhas”. Na ocasião, ela pediu revisão de umas quinze páginas e disse para eu consultar e ver o que eu poderia fazer para “adoçar” o livro, que tem frases como “o menino chutou o cachorro”, “o irmão brigou com o irmão”. São situações que retratam o nosso cotidiano, mas ela pediu para modificar. Como eu não concordei, o livro ficou fora das listas de livros que podem receber benefícios do governo. Nós estamos na antissala da censura.
A senhora usa muito a internet. Consegue enxergar a internet como meio de divulgação de conteúdo literário?
Eu vou fazer três livros e vou bancar a produção deles. O livro fica caro na livraria. Mas fazer um livro é barato. Eu vou fazer, vou botar na internet e disponibilizar para a humanidade. Se essa ideia de popularizar a produção literária for adiante, que a gente faça o livro benfeito para ficar nas memórias e para as bibliotecas, mas não que o livro tenha de ser comercializado exatamente na livraria. O que atrapalha é o processo e os entraves que tem até chegar lá. Eu sinto muito pelo livreiro, mas tem de simplificar. Se todo mundo quer ganhar o dobro, em cima do dobro, aí… Vou fazer essa experiência e só encontro gente que quer me ajudar a fazer. Sou uma mulher revolucionária.
O que a senhora acha dessa literatura fantástica? Séries como “Harry Potter” ou “Crepúsculo” são boas leituras?
Eu não tenho competência para produzir essa literatura. Não me agrada, mas admiro quem faz. Tem um público, né? Eu não sei se eles leem aquelas 300, 500 páginas. É muito personagem, você tem de fazer uma lista, uma agenda com tantos personagens e histórias. Eu prefiro o concreto: “era uma vez…” Isso que aconteceu na minha casa que é concreto. Eu só sei lidar com o concreto. Eu gosto de ler e produzir o que é concreto e possível de acontecer em algum lugar. Prefiro trabalhar no singelo, no cotidiano, na linguagem coloquial. O Brasil está com uma produção literária significativa e boa. Mas eu acho que vale tudo, até revista de mulher pelada na mão de “menino” para ele gostar de ler. Mas lamento que a internet tenha “estabelecido” um código linguístico que é uma agressão à gramática. Daqui a cinco anos, esse jovem vai pleitear um emprego, mas ele está desarmado. Ele não sabe nem falar, nem escrever.
>> Veja um vídeo com a escritora e a entrevista na íntegra
Fonte: Correio de Uberlândia | Amanda Célio