É possível criar canais no YouTube sobre tudo: gastronomia, games, cinema… mas existe um tipo de produção de vídeo que tem ganhado uma crescente atenção especial por parte dos internautas e do mercado publicitário: o de crítica literária. Os booktubers (como são chamados os youtubers que falam sobre literatura) não têm milhões de seguidores como os gamers, mas seu público é extremamente diferenciado e as editoras já compreenderam isso.
Tanto que as empresas passaram a procurar por esses jovens e lhes propor contratos e parcerias. Normalmente funciona assim: a editora paga o youtuber para ler um livro (a ser escolhido dentro de uma lista) e comentá-lo em um vídeo. O contrato é pela leitura, não garante elogios. “Alguns vídeos são patrocinados por autores nacionais, mas todos têm ciência de que a minha opinião não é vendida, mas, sim, o espaço no canal”, explica a capixaba Juliana Cirqueira, 26 anos, dona do canal Nuvem Literária, com mais de 44.900 inscritos.
De acordo com Ana Lima, editora do selo Galera, da Record, os booktubers transformaram o mercado infantojuvenil. “O livro jovem não tem espaço na mídia tradicional, sempre foi o patinho feio da literatura. Vende muito, mas ninguém fala no assunto. Para mim foi ótimo, porque a opinião dos youtubers vale mais para nosso público do que a mídia tradicional”, explica.
Haja tempo
O paranaense Victor Almeida, de 23 anos, há dois anos deu início ao seu canal Geek Freak, que hoje tem mais de 55.600 inscritos. Ele já chegou a receber 30 livros em um mês, mas teve de limitar a sua leitura e os contatos com as editoras. “Muitas vezes você recebe livros que não te interessam e aquilo fica acumulando na sua casa”, diz o youtuber, que prefere literatura jovem.
Designer gráfico e funcionário público, o rapaz une a vida de youtuber com dois empregos. E falar sobre livro não é fácil: tem que ter tempo para ler os livros, gravar os comentários e editar os vídeos. Mas ele garante que fez muitos amigos com essa iniciativa. “A comunidade de booktubers é muito unida. Quando você faz um canal, conhece muita gente. De tempos em tempos, fazemos encontros entre youtubers e fãs. Teve uma vez em que reunimos 500 pessoas”, conta Victor.
Amor nos Tempos de #Likes
A editora Galera decidiu investir nos booktubers como escritores. Tanto que acaba de lançar “Amor nos Tempos de #Likes”, feito por quatro catarinenses de três canais: Pam Gonçalves (180 mil seguidores), Bel Rodrigues (108 mil inscritos) e o casal Hugo Francioni e Pedro Pedreira, do canal Pedrugo (69 mil seguidores).
“No começo do ano eu escrevi o conto e agora acabo de terminar o meu livro solo que será lançado no segundo semestre. Quem olha de fora não percebe como é todo esse processo. São pontos minuciosos para se trabalhar e tomar um cuidado extremo”, diz Pam Gonçalves, que prefere não ter parcerias com editoras para não ter que ler por obrigação.
“Já tive metas, mas eu não funciono muito bem com obrigação de leitura. Eu leio por prazer, sempre amei ler. A partir do momento que gera um estresse para cumprir metas de leitura, o bloqueio vem e eu não consigo mais me concentrar em nada”, diz a youtuber, que tem de separar um ou dois dias para as gravações e outro para a edição dentro de sua rotina.
Sem obrigação
A pressão é tão grande que Pedro e Hugo decidiram parar de resenhar livros para o canal, mudando-o de Estante Geek para Pedrugo. Hoje preferem falar de temas leves, gostos pessoais e relacionamento. “Como não postamos mais resenhas no canal, tenho lido apenas o que realmente me interessa. Acho que essa decisão foi boa, pois tirou aquele peso de ler algo por obrigação”, diz Hugo.
“Acho que a leitura nunca deve ser uma obrigação. É muito perceptível quando um influenciador fala sobre um livro por falar e quando ele fala por realmente ter gostado da obra”, completa Pedro. Já Bel Rodrigues tem a meta pessoal de leitura de quatro a cinco livros por mês. Se alguém a procura para uma parceria, ela conversa bastante antes de fechar contrato, para saber de antemão se a leitura será prazerosa.
E ela garante que dá tempo de ler tudo isso e se dedicar aos vídeos. “Costumo dizer que não tenho uma rotina certa. O que eu faço todos os dias é ler, mesmo que um pouco, e escrever. Meu dia não está completo se eu não faço essas duas coisas. Sempre gravo de madrugada e tenho um cronograma para pelo menos mais um mês de vídeos”, afirma Bel, completando que está realizando um sonho de infância ao ver sua produção ser publicada em livro de papel.
Fonte: Hoje em Dia | Cinthya Oliveira