A pesquisa começou em 2022, quando Richardson Santos de Freitas, na época aluno de Biblioteconomia do 5º período da Escola de Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), se tornou monitor da professora Lorena Tavares de Paula, que ministra a matéria de Formação e Desenvolvimento do Acervo. A ideia partiu de uma proposta da professora de que uma das atividades de monitoria seria uma experiência de iniciação à docência.
“Eu teria que elaborar uma apresentação sobre coleções especiais de revistas em quadrinhos e dar uma aula para a turma sobre a história das HQs, os tipos de leitores, os materiais, e falar sobre as gibitecas”, contou Richardson. Como ele é cartunista, trabalha com quadrinhos e, junto com amigos de uma associação de quadrinhos, chegou a montar a Gibiteca Nação HQ, que funcionou no Centro de Belo Horizonte entre os anos de 2004 e 2005. A professora queria que eu juntasse essa experiência, com a teoria de Biblioteconomia, para fazer um relato aos alunos”.
Quando ele estava fazendo a revisão de literatura, começou a pesquisar sobre a origem das gibitecas. “O nome vem da junção de gibi + biblioteca, que foi inspirado no nome de uma antiga revista chamada Gibi, lançada em 1939, que fez grande sucesso e se tornou sinônimo de revistas em quadrinhos no Brasil”. Em livros e artigos científicos que falam sobre a escolha do nome para a revista, há sempre a informação de que gibi era uma gíria para os meninos negros que, com o decorrer do tempo, seu uso original caiu em desuso. “Nesse momento, me veio a curiosidade de saber qual era a origem da palavra”.
Como não havia material sobre o assunto, Richardson passou a pesquisar no acervo virtual da Hemeroteca da Biblioteca Nacional o uso de gibi em seu sentido antigo em jornais e revistas. “A mais antiga menção da palavra foi encontrada em 1888, com a grafia de Giby, usada com um apelido”, disse ele. Com as várias descobertas, a professora Lorena avaliou que havia ali um tema com potencial a ser explorado. “Pesquisar sobre a origem, os diferentes sentidos e as condições sociais que provocaram as mudanças de sentido”. O resultado, então, foi um Trabalho de Conclusão de Curso defendido no final de 2023.
Só que não parou por aí. Como Richardson já estava com a pesquisa adiantada, a professora Lorena sugeriu que eles sistematizassem as primeiras descobertas e escrevessem uma comunicação científica para apresentar em um congresso no Uruguai, na Associação de Educação e Investigação em Ciência da Informação da Iberoamérica e Caribe (EDICIC). “E foi super bem recebido pela comunidade, todos ficaram encantados com o trabalho”, contou.
O artigo se chama “Do gibi a gibiteca: origem e gênese de significados historicamente situados” e tem o objetivo de estudar a palavra gibi, através do método histórico, sobre as mudanças de seu significado e sua assimilação social e cultural. O texto mostrou que a palavra, em 1888, tinha seu sentido original de apelido. Depois, transformou-se em uma gíria racista atribuída às crianças negras. Em seguida, foi usada para designar os meninos negros que vendiam jornais nas ruas. E, por fim, chegou ao seu significado atual, impulsionada pelo lançamento da revista Gibi, em 1939.
Em 12 de abril, segundo o artigo, a editora O Globo lançou uma revista em quadrinhos chamada Gibi, que vinha acompanhada de ampla divulgação em todos os canais da empresa. Na capa, ao lado do logotipo, aparecia o desenho de um menino com cor de pele preta, lábios grossos e olhos esbugalhados, acrescidos de roupas esfarrapadas, suspensórios e andando sempre com os pés descalço
O nome escolhido foi Gibi, inspirado na figura do pequeno jornaleiro negro que vendia jornais e revistas nas ruas. A revista se tornou um sucesso nacional. De tal forma que, em pouco tempo, seu nome deixou de ser uma palavra ofensiva e preconceituosa. Passando a ser, então, sinônimo de revista de histórias em quadrinhos.
Apesar de, atualmente, o gibi estar totalmente em desuso de seu sentido original racista, os estudos sobre quadrinhos e gibitecas não exploram o passado da palavra. O artigo, que nasceu da parceria de aluno e professora, trouxe uma documentação e uma visão crítica sobre abordagens teóricas, lexicais e historiográficas do termo para melhor compreensão desses materiais para o desenvolvimento de coleções.
O artigo completo, para quem quiser ler, está disponível neste endereço.